- Que nada, Lucas. São 8 da manhã.
Eu havia ajustado o relógio do celular com uma hora de antecipação, por isso que às 5h a Lua estava alta demais e às 6h ainda era noite.
Saímos de casa com a certeza de que hoje seria um dia de altas ondas. Fomos direto olhar Off The Wall, mas demos de cara com uma condição bem ruim. O vento soprava forte e as ondas continuavam baixas. Dirigimos até Velzyland e lá o vento parecia estar soprando com mais intensidade ainda, pois a onda quebra um pouco mais para fora. O dia ficou nublado, a chuva começou a ficar forte e o desanimo começou a se aproximar de nós. Fomos para Rocky Point, que sempre tem uma onda mais rasa e, talvez por isso mesmo, atrativa. Ficamos dando uma olhada na condição, e reconheci ao longe Fábio Gouveia, grande ídolo do surf nacional, que ficou meu amigo em Noronha, no início deste ano.
Fui até lá trocar uma idéia com ele, que, como em Noronha, está acompanhado com os dois filhos. Conversamos um pouco, ele falou sobre as ondas que poderiam estar boas hoje, as ondas que ele gosta, e no fim falou:
- Ah, os meninos não gostam quando o mar fica assim, mas para mim tanto faz, pode estar grande ou pequeno, eu me divirto do mesmo jeito.
É impressionante por que o cara tem algumas décadas de estrada, e continua surfando e se divertindo como um menino. Lá em Fernando de Noronha era assim também, não importava o tamanho das ondas, ele sempre estava no mar. No fim das contas, ele me incentivou a ir surfar em Sunset, uma das suas ondas preferidas aqui no Hawaii. Saí dali botando a maior pilha no Cau:
- Bah, meu, o Fabinho falou para irmos para Sunset, que vamos pegar boas ondas.
- Mas eu estou com uma prancha muito pequena.
- Ah, não tem problema, Cau. Dá pra pegar umas ondas mesmo assim.
Ele não se animou muito com minha conversa, mas fomos até lá mesmo assim. Tirei minha prancha do carro, logo que estacionamos, mas meu companheiro continuou sentado:
- Ah, vai lá você. Vou ficar por aqui.
Desci correndo pela areia da praia, até o mar. Pulei na água e remei para o fundo. A onda em Sunset Beach quebra bem longe da praia, se comparada com as outras ondas da ilha. Esta onda é uma das mais volumosas que quebram por aqui, é muita água em movimento, mesmo com o mar pequeno. Por isso, todos usam pranchas grandes, em qualquer condição. Estava com uma 6’3”, e apesar de ter surfado algumas ondas, parecia que não conseguia desenvolver uma boa velocidade, faltava alguma coisa para o surf ficar realmente bom.
Não demorei muito para sair da água, caminhei até o carro, mas ele não estava lá. O Cauê havia ido para algum lugar, deixando-me na mão. Fia da p... Fiquei esperando algum tempo para ver se ele voltava, mas como isso não aconteceu, saí andando em direção à casa. No meio do caminho avistei o Finha, que estava indo para o outro lado, mas fez a volta e veio falar comigo. Pedi uma carona, mas ele negou-se com veemência a me deixar entrar, alegando que eu estava molhado. Tentei de tudo, disse que o calção já estava seco, que eu iria sentar no tapete, que iria ficar de pé, que iria no porta-malas, nada adiantou. Ele me recomendou uma carona. Estiquei o dedão e continuei andando. Um pouco depois uma nova-iorquina parou numa caminhonete e levou-me até em casa.
Cheguei em casa, tomei um banho, sentei na cama para ler Proust (como é difícil esta leitura! É necessário toda atenção do mundo para compreender seu texto.). Interei-me com a leitura durante algum tempo, bateu aquele sono, dormi por uns 30 minutos. Acordei-me e fui cozinhar. A indignação que estava com o Cauê por ele ter me deixado à pé na praia começou a se transformar em preocupação. Não era possível que ele tivesse voltado lá e não percebesse até aquele momento que eu já tinha ido embora. Quando já tinha almoçado, o garoto apareceu na porta de trás da casa, dizendo que tinha me esperado lá por todo este tempo. Eu duvidei, daí ele disse que só saiu num momento, rapidamente, para ir numa pista de motos. Ele adora motos, e todos os dias cruzamos com várias delas na caçamba de caminhonetes. Depois ele disse que voltou da pista, não me viu em Sunset e foi surfar em Rocky Point. Ainda não sei bem qual foi a história, mas dei uma dura no menino. Isso não é coisa que se faça com os amigos.
Fiquei em casa por mais um tempo, encontrei o Finha no msn, combinei de passar na casa dele, mais para o final da tarde. Comentei com o ele sobre levar uma prancha maior, e acabei indo com minha 7’2” (Tokoro!). Como o Cauê não iria surfar, pois ia começar a trabalhar num restaurante tailandês, não precisei esperá-lo fazer a digestão, saí logo em seguida.
Ao chegar na casa do Finha, estava lá o Chaleira, amigo que fiz em Imbituba. Eu já sabia que ele estava lá, foi bom revê-lo. Acho que fazia uns 4 anos que não o via. Charles Chaleira Nobre, é um cara muito gente fina, tranqüilão e que pega altas ondas. Ele já morou aqui no Hawaii, tem um filho que nasceu em Oahu, e tem um surf incrivelmente bonito e power ao mesmo tempo. Faz uma linha clássica, e eu sempre o admirava ao vê-lo surfar com seu longboard na Praia da Vila. Naquela época, e até hoje, ele foi um ídolo para mim. Sempre achava bom conversar com ele e pegar ondas ao seu lado. É bom termos estes ídolos mais próximos, porque ele são mais reais, a inspiração fica mais forte. Afinal, a pessoa está ali, ao seu lado, diferente da maior parte dos meus outros heróis no universo do surf, que só vejo surfando em filmes ou revistas. Ele é um destes surfistas fantásticos que existem em todo o mundo, que pegam altas ondas, mas ninguém conhece, não saem em revista, nem em vídeos de surf. Considero-os verdadeiros freesurfers, porque surfam totalmente livres de qualquer compromisso, além dos que tem consigo mesmo. Guiados pelo enorme prazer que este esporte maravilhoso nos proporciona.
Fomos até Sunset beach, e ao chegarmos deparamo-nos com uma condição que não era a mais favorável. Havia bastante vento e as series estavam demoradas. Mesmo assim, o Chaleira botou uma pilha para entrarmos no mar:
- Agora que estamos aí, vamos surfar.
Quando começamos a tirar as pranchas do carro, o Finha apareceu. Ele havia ficado em casa por mais um tempo, resolvendo algumas coisas pelo telefone. Como ele está morando aqui, está mal acostumado, e foi logo falando:
- Está muito mal este mar, magro. Eu não vou surfar.
- Pára, Finha! Vamos cair todo mundo junto, mesmo que seja só para conversarmos lá fora. Lembra a época da Zimba. – Que é como os moradores chama a Imbituba.
- Não. Eu estou com sinusite, vou me guardar para amanhã.
Caminhamos pela areia, pulamos na água e fomos conversando bastante enquanto remávamos. Para se chegar à onda nesta praia, leva-se um certo tempo. O Chaleira me ensinou várias coisas sobre Sunset. Existem ali, duas ondas principais, a clássica Sunset, e Sunset Point, que fica mais para dentro do lugar onde quebra a primeira onda, além, é claro Inside Sunset, quando a onda chega mais na beira. Falou sobre a linha da onda, o tamanho de prancha ideal, a direção do swell. Fiquei bastante atento, porque aquela onda não é simples de se surfar, e com o mar crescendo, eu ia precisar saber bastante sobre aquele lugar.
Já tinha sentido, pela remada, que o surf seria diferente. Toda vez que você surfa com uma prancha maior, a forma de surfar muda totalmente. Há um outro tempo para movimentar a prancha, posicionar-se em cima dela, remar, enfim, é preciso uma adaptação. Na minha primeira onda, coloquei os pés muito para frente, apenas deu para descer reto e fazer a curva lá na base. Já na segunda onda, acertei a base em cima da prancha, a onda era maior e abriu mais. Desci novamente até a base, em Sunset você aprende a importância de um bom drop, fiz uma curva aberta na base, o que me porjetou bem para frente, com enorme velocidade, subi até a parte curva da parede,conhecida como bowl, e apenas virei o bico para baixo. Em seguida, uma sessão quebrou na minha frente, fazendo com que uma espuma viesse em minha direção, projetei a prancha para cima dela, pisei na rabeta, para que o bico passasse por cima daquela água branca, e dei uma batida, descendo novamente. Quando sai da onda, o Chaleira estava sentado em sua prancha, ele havia pegado uma ondas instantes antes, aplaudindo e sorrindo para mim:
- Ah, este é o Lucas que conheço.
Fiquei que era só sorriso. Remeir até ele:
- Foi boa mesmo? Você gostou?
- Nossa, foi demais. Batidão.
- Cara, esta prancha é muito boa.
- É, prancha boa você sente rapidamente que é boa.
Enquanto remávamos de volta ao outside, percebi o que eu estava fazendo naquele momento. Caramba, estou surfando em Sunset! Nossa, que coisa incrível. Este onda é super prestigiada, e sempre ouvia falar dela, dos dias de ondas gigantes, com drops intermináveis e tubos gigantes no inside. Dizem que para um surfista ser completo, é preciso dominar a onda de Sunset, pois ali tem tudo, volume, velocidade, tamanho, extensão, intensidade, tubo. Porém, o que mais me tocou naquele momento, foi a constatação deste sonho que se realizava. É engraçado porque pensamos muito em algumas coisas, e em nossa imaginação tudo parece ter um outra dimensão, um ar mais mágico, quando a realizamos de fato, parecemos entrar em um estado anestésico, que muitas vezes nos cega para a grandeza do que fazemos. Ali, parece-me que tirei este véu de ingenuidade, e pude sentir a realidade de forma plena. E como é espantosa a realidade, como ela profunda, se a vivemos na amplidão do presente.
Surfamos outras ondas, o Chaleira saiu em seguida pois estava com uma prancha emprestada, que não era muito boa. Sai da água muito feliz, e comentei com ele como era boa a sensação que aquela onda produzia em mim:
- Cara, você tem que ver como fica Sunset em um dia de verdade. – Fiquei só imaginando.
O Finha apareceu por ali, ficamos conversando um pouco antes de irmos embora. O mar estava crescendo, e combinamos de nos encontrarmos ali, às 9h do dia seguinte.
Em casa, contei com muita empolgação para o Julião sobre minhas ondas, a prancha, as manobras. Ele apenas me olhava, com sua imensa calma, e dizia:
- Ah é?! E você pegou umas boas?
Imagino que devia estar pensando que aquilo lá não foi nada. Ele já deve ter pegado muita onda clássica nestes 17 anos de Hawaii.
Fiz um tabule de quinua, comi um pouco de massa e fiquei esperando o tempo passar. Estava cansado, mas um pouco antes as 22h, sai de casa para buscar o “meu pimpolho”, como apelidei carinhosamente meu partner Cauê. Ele ficou muito feliz em ver-me. Eu apensa mencionei que talvez fosse buscá-lo, mas não tínhamos marcado nada. Voltamos para casa, e eu segui falando do surf em Sunset, acho que ela está se tornando minha onda preferida. Comemos um pouco dos pratos que o Cau ganhou no seu trabalho, e fomos dormir com a expectativa do swell, que entraria na manha seguinte.
Um comentário:
Lucas!!!!
Somos tuas tias repletas de perus e recheadas de fios de ovos,agora que a festa acabou resolvemos te mandar nossos beijos e desejos d boas ondas e lindos textos para o blog que ta show.
bjs
Bimba e Gunga
ps:queremos mais fotos
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