segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

14/12 - Lição de humildade

Acordei próximo das 6 da manhã, estava escuro e não parava de ventar e chover. Aqui no Hawaii é impressionante a quantidade de vezes que chove e abre o sol no mesmo dia, lembra-me um pouco Noronha. Acho que isto deve-se ao fato de ser uma ilha, o vento sopra, as nuvens deslocam-se a toda hora, e algumas delas trazem chuva.
Logo que acordei iniciei um sádhana, a pratica do SwáSthya Yôga, e o Cauê continuava desmaiado na cama ao lado. A prática durou cerca de uma hora, e nada dele se mexer. Depois ele me contou que acordou comigo respirando forte, estava fazendo bhástrika, e teve um momento em que ele abriu os olhos e deu de cara comigo de cuecas e cabeça para baixo, dei muita risada disso. Depois de praticar, peguei meu computador para ler os e-mails e escrever um pouco, como ventava e chovia muito, achei que o campeonato não aconteceria. Só quando já eram quase 8 horas, é que acessei o site do campeonato. Faltavam poucos minutos para as baterias irem para a água. Mais um vez tive que acordar o Cauê no susto, e com pressa:
- Vamos embora, Cau. Vai rolar o campeonato e o Kelly Slater está na primeira bateria.
E mais uma vez, saímos de casa, cheios de pressa e expectativa. Claro que até o Cauê acordar, fazer sua higiene pessoal, comer alguma coisa, a bateria já tinha acabado. De qualquer forma, pedi a bicicleta da Jennifer, uma curitibana que mora na casa, emprestada, com o argumento que só iríamos ver uma bateria. Assim, fomos com duas bikes, pedalando rápido para ver nosso ídolo. Chegamos na praia e encontramos com o Tony Fleury. Ficamos do lado dele, vendo-o trabalhar enquanto registrava as melhores ondas, e conversando. Mesmo não estando com condições ideais, os melhores surfistas do mundo desempenharam muito bem, dando um verdadeiro show. Ficamos ali quase até o final do evento daquele dia, e fomos para casa para pegar comer alguma coisa, pegar as pranchas e surfar.
Chegando em casa o Júlio estava em casa, e dei a idéia de irmos nos supermercado, que fica na town, longe de casa. Disse a ele que tinha um livro de receitas, que o Dinar me emprestou, e que sabia cozinhar, ele ficou empolgado e topou. No caminho até lá, conhecemos um pouco mais da história do Julião. Este paulista de Santos, era surfista profissional no Brasil e veio pra Oahu há 17 anos, fazer um curso numa das diversas faculdades da ilha. Nunca mais voltou a morar no Brasil, conheceu um californiana e está casado com ela até hoje. Mostrou-nos, já na volta, até o lugar onde mora com ela e seu filho, de 1 ano. O supermercado é gigante, parece um Makro, só que maior e todo mundo pode ir. Você encontra de tudo lá dentro, acho que até carro deve ter pra vender. Fiquei muito indignado ao ver uma centrífuga de sucos por U$100,00, quando paguei mais de R$1000,00 na minha, lá no Brasil. Compramos apenas o básico para e voltamos felizes por não precisar mais comprar no FoodLand, mercado que tem aqui do lado de casa, só que com preços mais altos, e que o Cauê insiste em chamar de SuperFoods, barraquinha de açaí do nosso lendário amigo Paulão.
Largamos a comida em casa, vestimos os calções de surf , pegamos as pranchas e as bicicletas e fomos em direção à Rocky Point. Enquanto pedalávamos pela bikes lane, o Cauê ia na minha frente, carregando sua prancha, que, às vezes, deslocava-se desgovernada para os lado, as plantas cobriam-nos, por vezes o sol iluminava o caminho, e o vento soprava em meu corpo todo. Aquilo produziu uma alegria enorme em mim, uma felicidade pura e inocente, uma liberdade de criança apossavasse de meu corpo, fazendo-me todo sorrir. Era como, quando pequenos, os meninos felizes, ao domingos, pegavam suas bolas de futebol e corriam para o campo mais próximo. O que eu via e vivia naquele momento era meu sonho de menino, eu fui menino por todo o trajeto, e nada podia ser mais agradável.
Chegamos na praia na maior empolgação, as ondas estavam pequenas, com 1 a 2 pés, vimos o Tony registrando o surf de alguns profissionais que estavam na água, e entramos no mar por cima do coral. Já caia a tarde à nossa esquerda, o sol refletia uma cor rosada em todo céu, levemente nublado. Vi boas ondas sendo surfadas, conversei com o surfista gaúcho Rodrigo Pedra Dornelles, e inclusive deixei uma boa onda para ele, talvez a melhor que vi entrar. Lembrei do Ado, que jamais esperaria uma atitude dessas de mim, mas é que “estamos no Hawaii”! Depois de pegar algumas ondas, entrou uma direita um pouco menor para mim. Remei nela, e ao invés de acelerar para manobrar lá na frente, segurei um pouco, pesando o corpo sobre o pé detrás da prancha, e entrei em um tubo. Surfei-o sem erro, porém, quando estava saindo dele, vi que a onda entrou numa parte mais rasa da bancada, impedindo-me de pular para fora dela. Assim que tentei apontar o bico para a areia, para fugir da explosão final da onda, não sei bem de onde, tomei um pancada da onda na cabeça e fui jogado para frente. Ainda pude ver minha prancha batendo na parte rasa do coral, antes de sentir meu joelho tendo o mesmo destino. Instintivamente, virei meu corpo, o que fez com que minhas costas fossem sendo rasadas em cima da rocha, enquanto a onda me carregava por mais alguns metros. Enquanto tudo isso acontecia, fiquei bem preocupado com meu joelho, pois a batida tinha sido feia, e achei que tinha perfurado a minha pele.
Logo que consegui me levantar, olhei para o joelho, e trazendo-o para bem próximo do rosto, pude constatar, com certo alivio, que não tinha sido nada além do choque. Minhas costas também doíam, e tinha certeza de que havia cortes nela. Fui boiando até a beira da praia, sai do mar mancando e todo dolorido. Aproximei-me de um videomaker que estava ali, mostrei-lhe as costas perguntando se estava sangrando. Ele fez uma cara feia, mas disfarçou logo em seguida, dizendo que não era nada de mais. Havia sido apenas um arranhão. Caminhei um pouco mais, mas achei melhor me sentar para recuperar-me emocionalmente do incidente. Aquilo não machucou somente minhas costas e joelhos, eu estava triste, senti-me desastrado, sem-sorte. Enquanto lamentava sozinho, soltando alguns gemidos, um fotógrafo americano perguntou-me o que havia acontecido, novamente mostrei as costas, ele também disfarçou o espanto e disse-me:
- Oh, man, sorry about that.
Achei muito interessante esta forma diferente que eles tem para se expressar, porque se fosse no Brasil diríamos algo como “Nossa, que ruim! Que coisa ruim”, mas aqui, talvez só mais na língua que nos sentimento, eles “sentem muito” por você ter sofrido algo.
Ele perguntou-me onde estava, ofereceu-me uma carona, a qual aceitei de imediato. Nesta hora chegou um amigo dele, um cara que pareceu-me super divertido, fez piadas com ele, e quando viu meu corte nas costas foi o único que não disfarçou o espanto, botou a mão na boca. Aquilo me deixou um pouco preocupado. Disse a eles que não tinha onde deixar minha bicicleta, e talvez fosse melhor ir caminhando, eles recusaram-se a me deixar lá, já tinham um lugar para eu deixar a bicicleta. Quando fui pegar a bicicleta, que estava na areia, encontrei um surfista brasileiro, Thiago Camarão, perguntei se podia deixar a bicicleta com na casa dele, sabia que estava quase na beira de Rocky Point. Ele aceitou e ainda ajudou-me com a magrela. Durante este tempo todo, que não durou mais de dez minutos, não consegui sinalizar para o Cauê que tinha acontecido alguma coisa. Ele viu que eu estava na areia, mas achou que fosse só porque não tinha gostado do mar. Só quando cheguei no carro dos gringos é que pude ver o machucado, havia um corte feio no lado esquerdo das costas, um corte que arrancou a pele, e sangrava bastante. O resto eram dois grandes arranhões, desses que a gente faz no joelho quando cai no chão. Quando estava embarcando, o Cau passou de bike e mostrei para ele minha conquista daquela tarde, foi mais um que não conteve o espanto.
Cheguei em casa bem triste, fui direto para o banho lavar a ferida. Depois liguei para o Finha, que apareceu aqui em casa com uma água oxigenada e um kit primeiros-socorros. Tinha “um remédio milagroso que os caras usam depois das cirurgias para cicatrizações”, na verdade era só iodo. Acontece que o Finha encasquetou na idéia de que, para limpar bem a ferida, tinha que passar limão. Procedimento que eles usam na Indonésia, por se tratar de um coral vivo.
- Porra, brother, ouve o que eu estou te falando. É a melhor coisa que tem, tua acha que eu ia querer o teu mal?
Deixei que ele e o Cau se divertissem enquanto eu tremia de dor com aquele suco escorrendo por minhas costas. Depois passaram o iodo e aquilo me deu um alivio, eu sabia que o corpo já estava trabalhando para melhorá-lo. Lembrei-me da frase do Mestre DeRose no seu cd Reprogramação Emocional, quando ele diz:
- Diga sempre “o meu corpo é um mecanismo difícil de quebrar, mas fácil de consertar”.
Coloquei gelo no joelho e fiquei pensando na minha atitude até aquele momento com relação ao mar. Conclui que, na empolgação de surfar as melhores ondas da minha vida, havia chegado com muita vontade, mas sem humildade para respeitar a força deste oceano. Internamente, disse a mim mesmo que seria mais prudente. Fui dormir sem pressa de acordar no dia seguinte, por sorte as ondas estariam pequenas.

3 comentários:

Anônimo disse...

estou chorando de alegria por estar aí contigo!
hehehe!

Anônimo disse...

uau, grandes emoções! adorei teu momento cabelos ao vento na bike... e espero que o corpo ja esteja consertado.

grandes beijos

Anônimo disse...

ah! e a parte do ado tá muito boa tb! hahahaha coisa de moleeeeeque!