Já eram 7:45 quando dei uns cutucões neles, disse-lhe que estava saindo, mas que na volta era para ele estar pronto. Fui até o local combinado, só que no caminho até lá passei por Sunset, e vi uma série quebrando e aquilo me tirou do sério. Quase não fui lá falar com a mulher, mas honrei o compromisso. Cheguei lá e ela não apareceu, de novo. Na verdade, não esperei muito tempo, mas cheguei no horário, e 10 minutos depois ele ainda não tinha aparecido. Voltei pra casa voando, e o Cau ainda estava meio lento, perambulando pela casa, sem saber direito o que fazer. E eu ao seu lado:
- Vamos nessa, Cau. O mar está clássico. Nossa, tem um Sunset animal.
Como eu sabia que ele jamais conseguiria surfar aquela onda com sua prancha 5’11”, fiz uma pequena loucura. Emprestei a ele minha 7’6”, que eu nunca usei. Combinei um valor, caso a prancha quebrasse ao meio. Botamos as pranchas menores dentro do carro, e as maiores, dentro.
Ao chegarmos na praia, o dia estava lindo, as ondas não paravam de entrar e a adrenalina já bombava em mim, que saí do carro empolgado. Vi que o Finha e o Chaleira estavam sentados na areia, olhando o mar:
- E aí, galera, tem altas, né?!
- Não, não está muito bom. – Disse o Finha.
Segundo eles, estava muito demorado, e iria melhorar perto do meio-dia. Eu olhava lá para fora e não parava de entrar onda. Estava quase pulando de alegria, e disse a eles:
- Cara, eu vou cair porque certamente no Brasil eu não vou surfar nada parecido com isso.
Ambos concordaram comigo, mas o Finha está com uma costela machucada e quer se guardar para os mares clássicos e o Chaleira estava com o prancha no conserto. Voltei para o carro, o Cauê já tinha tirado a prancha que ele usaria da capa, me estendeu o braço com a parafina na mão:
- Quer se o primeiro a colocar a parafa nela?
- Que nada, meu. Coloca você, por enquanto ela é sua.
Também passei um pouco de parafina na minha prancha, enquanto olhava para dentro do mar. Aquilo apenas aumentava minha vontade de surfar ali. Enquanto caminhávamos pelo areia, eu sabia que aquelas eram as maiores ondas que o Cau já tinha visto na vida. Eu havia levado-o, com o meu incentivo, a estar ali, com a prancha debaixo do braço, prestes a remar lá para fora. Olhei para ele, que contemplava uma série quebrando lá fora, senti-me um pouco responsável pelo “meu pimpolho:
- Cara, você está tranqüilo?
- Não, estou tranqüilo.
- Meu, a coisa mais importante que tem é você manter a calma. Independentemente do caldo que você levar ou do tamanho da onda que quebrar na tua frente, o importante é ficar tranqüilo e respirar fundo.
- Não, eu estou sabendo.
- É, e rema pro canal., caso alguma série te pegue.
Para entrar no mar, é preciso deixar que uma ondas quebre na beira, logo em seguida fica fundo. Por isso, você tem que pular por cima de ondas razoavelmente grandes antes de começar a remar. Conseguimos passar por esta fase sem problemas e partimos para o fundo, lado a lado, felizes pela experiência que vivíamos.
Logo que chegamos lá fora, entrou uma onda para mim. Virei a prancha, remei com toda força e entrei nela. Era linda, azul, volumosa e forte. Levou-me com velocidade até a parte de baixo dela, lá olhei para frente e deslumbrei uma imensa pista azul. Fiz uma curva na base e projetei a prancha até o topo da onda, dando uma rasgada forte. Acabei a onda com um cut-back e um sorriso no rosto.
Voltei para o line-up e sentei-me ao lado do Cau. Depois de algum tempo, gritei para ele remar forte numa onda, ele conseguiu entrar nela, pude vê-lo iniciando o drop, depois continuei olhando para trás, querendo saber se tinha conseguido surfar a onda, mas logo outra onda veio, tapando meu campo de visão.
Lá fora, a session estava linda. Vários surfistas bons, conhecidos e anônimos, pegavam ondas volumosas, passavam por mim com velocidade, faziam manobras nas partes mais críticas, com plasticidade e beleza. Toda série que entrava, mesmo que eu não surfasse nenhuma onda, era interessante estar ali testemunhando aquele espetáculo da Natureza. Acho que quando estamos em felizes, sintonizamos com o ritmo do mar, e conseguimos pegar mais ondas. Até eu me impressionei a quantidade de ondas que surfei no meio daquela multidão toda. Claro que nada comparado ao número de ondas que surfamos em um dia clássico em Ibiraquera, por exemplo.
Um tempo depois, consegui avistar o Cauê voltando, com um sorriso no rosto, dizendo-me que a onda havia sido boa, mas que ainda estava se adaptando à prancha. Fiquei mais tranqüilo, ele parecia mais à vontade. Logo em seguida, entrou uma onda boa, eu estava mais no pico do que ele, portanto tinha a preferência. Na verdade, nem reparei se ele estava remando, apenas vire a prancha a comecei a remar. Acontece que o Cau também remou, ao meu lado, e como estava com uma prancha maior (leia-se com mais flutuação e velocidade na remada) ele entrou na onda um pouquinho antes de mim. Assim que ficou em pé, eu também estava ficando, só que acho que desequilibrou-se um pouco, e deixou que seu corpo pesasse para a esquerda, vindo na direção que eu estava dropando a onda. Percebi que se continuasse, aquilo não iria acabar bem, pois iríamos nos chocar. Então, pulei lá do alto e joguei a prancha o máximo que pude para a esquerda, livrando-o, assim, de chocar-se com ela. Submergi um pouco assustado, porque não sabia se minha manobra tinha dado certo. Como não vi nenhuma prancha, nem surfista, na espuma criada pela onda em seu rastro, constatei que tudo tinha dado certo. Bah, esse Cauê me apronta cada uma!, pensei enquanto sentia uma sensação alegre. Eu sabia que ele tinha pegado uma onda grande e boa.
Certa vez, um amigo carioca, que conheci em uma viagem para a Indonésia, disse-me algo que sempre repito para os meus amigos:
- Cara, o surf é um esporte incrível porque todo mundo que está ali surfando, sempre ganha. Não tem perdedor, todo mundo saí feliz. Se você está em uma onda, e pega um tubão, você ganhou. Agora, se o seu amigo pega um tubão na sua frente, você vai celebrar junto, você também ganhou.
Concordou com cada palavra dele, e aquele foi um momento em que, mais uma vez, por ver um amigo, ou mesmo desconhecido, fazendo algo legal dentro da água, senti que eu ganhei.
Depois de algum tempo, encontramo-nos novamente, e ele estava todo feliz. Nem tinha notado que eu havia salvo a ambos com meu pulo kamikaze. Deu risada e disse-me que aquela tinha sido a maior onda de sua vida. Valeu a pena o caldo.
Ficamos mais de duas horas no mar, e saímos cheios de alegria pelo primeiro surf verdadeiramente havaiano da trip. Isto que muito disseram que o mar nem estava tão bom. Imagino quando ficar.
Fomos para casa comer e descansar um pouco. De lá, liguei para Manuela, uma fotógrafa gaúcha que está aqui fazendo um material para o Vinicius Fornari, surfista profissional, também dos Pampas. Eu havia mandando um e-mail para ela, pois sabia que o mar ia crescer, e perguntava se ela faria algumas fotos. Respondeu-me dizendo que estava indo para Rocky Point fotografar o Vini, mandou também o número do telefone que ela comprou aqui. Fazia apenas alguns minutos que ela tinha respondido. Pelo telefone, disse-me que estaria na praia pelas próximas horas. Combinei de passar lá depois do descanso.
Antes das duas da tarde, já estávamos na rua para surfarmos. Levamos comida e bebida para não precisarmos voltar em casa, antes do final do dia. Chegando na praia, tinha altas ondas e muitos surfistas na água. Conversamos com ela, que disse-nos que já havia feito boas fotos do nosso amigo.
- Se você for entra, coloque algo que seja colorida, para que eu poder identificá-lo.
Disse a ela que tinha uma camiseta rosa, meio psicodélica, que eu adoro e com a qual peguei muita onda boa em Noronha, mas estava com vergonha de usar aqui porque sou sempre um dos piores surfistas na água e não quero ficar realçando meu surf fraco. Além disso, aqui o pessoal só uma cores mais sóbrias no mar.
- Que nada, bota esta mesmo.
Quando voltei usando a camiseta, ela me viu, e rindo disse:
- Com certeza, eu vou te encontrar no mar.
Se a menina estava rindo da minha camiseta, imaginei o resto do caras que tinha me visto passar.
Logo que entrei no mar, peguei duas esquerdas boas, manobrando forte, na parte mais veloz da onda. Uma das coisas boas de surfar em Sunset pela manhã, com pranchas maiores, é o fato de, depois, você achar as outras pranchas mais fáceis de manobrar. Até disse para o Cau que temos que sempre começar o dia lá.
Quando saímos do mar já passava das 16h. Então, fomos conferir as outras ondas, para dar a última queda do dia.
O North Shore também é conhecido como 7 miles miracle, porque nesta pequena extensão de terra, há uma quantidade enorme de ondas de qualidade mundial. Nós contamos 20 ondas, mas é possível que tenha algumas que não conhecemos ainda. Estas 7 milhas iniciam-se em Haleiwa, para o oeste, e vai até Velzyland, que fica para o lado leste.
Começamos uma peregrinação que passou por quase todas as ondas. O mar havia baixado, e as séries já não eram tão constantes. Passamos por Sunset beach, fomos até Velzylnad, que não estava bom também. Decidimos conferir Laniakea, é quase no extremo oeste. No caminho, paramos em Pipeline, e depois de conferir Lanis, olhamos a onda que fica ao lado Chun`s reef. Dei a idéia de irmos até Haleiwa, a qual não conhecíamos ainda. Lá as ondas estavam bem fracas, o swell não era propicio para aquela parte da ilha, estava muito de leste.
Quando deixamos a praia de Haleiwa, o sol estava quase caindo atrás das montanhas, o corpo estava bem cansado, e como nenhuma praia oferecia uma condição melhor que do havíamos surfado até ali, resolvemos ir para casa. Porém, no caminho, estacionei na frente de Laniake, eram 17:50, aqui anoitece às 18:30, e disse:
- Cau, se vamos surfar de novo hoje, é agora. Sem pensar, vamos nos arrumar e ir para o mar.
Meu parceiro aceitou na hora, e fomos para dentro do mar. A remada para se chegar até esta onda é um pouco longa, eu podia sentir exatamente os músculos dos braços que estavam sendo trabalhados enquanto ia em direção às ondas. Ainda deu para pegar uma meia dúzia de ondas boas. Quando se tem pouco tempo, damos um valor maior à condição e esforçamo-nos para não errar e extrair o máximo do mínimo. E foi exatamente o que fizemos.
No surf, como em tudo na vida, quando você acerta no que está fazendo, aquilo lhe traz uma estima própria muito grande. Uma consciência e valorização maior de nossas capacidades, o que nos leva, muitas vezes, à auto-superação, puxando os próprios limites para um ponto além do que já conquistamos. Ou então, mesmo se não puxamos os limites, parece que atingimos um nível de acerto incrível, parece que nem existe a possibilidade do erro. O surf nestes poucos minutos do final da tarde foi assim, eu já havia surfado o dia todo, em condições mais desafiadoras que aquela,e tinha caído muito pouco da prancha. Então, fiz tudo certo, manobras, a linha da ondas, a velocidade. Foi demais. Saímos do mar à noite.
Tínhamos um jantar de brasileiros que estão aqui para ir, pois era noite de Natal. Deitamos na cama e quase que não saímos mais. Valeu a pena o esforço, estava bem legal. Tinha umas 30 pessoas, principalmente curitibanos, mas alguns gaúchos. Foi uma forma que encontramos de não deixar o Natal passar em branco. Porém, os presente já nos tinham sido dado naquele dia mesmo, em forma de água em movimento, quebrando sobre bancos de coral.
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