A impressão que tenho é de que este dia passou em velocidade acelerada. Talvez pelo fato de eu querer resolver logo a questão do carro, talvez por eu ter que esperar por alguém ou alguma coisa, e como isso faz o tempo correr depressa, né?
Acordei e logo o Cau falou com o Bruno, que convidou-o para surfar em Rocky Point, como o Finha ainda não tinha aparecido, resolvi ligar. Ele disse que estava pegando uma amigas, para dar-lhes uma carona, e passaria aqui logo em seguida. Falei para o Cauê ir surfar na frente, ia ficar em casa:
- Hoje quero resolver a questão do carro.
Ele saiu de bike para a praia, e eu fiquei nos sites de locadoras de carro, buscando alguma coisa para ver se valia a pena comprar ou alugar, ainda estava em dúvida. De qualquer forma, preciso alugar um carro para quando meu primo chegar. É que a partir do dia 10 de janeiro, meu primo Icaro chegará na ilha com mais três amigos, e eu serei o responsável por toda molecada. Os pais deles preferem alugar um carro, porque o automóvel é sempre novo, pode-se recorre à locadora, caso algo aconteça, e pode-se ter seguro no carro. O Finha apareceu com duas amigas venezuelanas que estava indo para Maui participar de um campeonato de bodyboard. Além disso, o Finha queria comprar uma camisetas da Surf n` Sea, pois dissemos a ele que estavam em promoção. No caminho para Haleiwa, onde há um centro comercial, ele ligou para seu amigo, que ficou de dar um retorno assim que conseguisse um brecha no trabalho. Largamos as meninas e fomos para a surfshop, estacionamos o carro, entramos na loja e o Finha recebeu a ligação do Alex:
- Lucas, vamos nessa que ele está indo para casa nos mostrar o carro.
E lá fomos nós novamente andar de carro pelo North Shore. Eu estava ansioso por ver logo o carro, resolver o quanto antes isso para poder ir para praia. Doce ilusão, cada carro que o meu amigo via pela rua com placas de vende-se, parava para olhar o preço e analisar o automóvel. Acho que vimos uns 3 carros antes de chegar na casa do Alex. Asism que estacionamos, ele virou a esquina e veio ao nosso encontro. Alex é um gaúcho de Porto Alegre, que já mora por aqui há 4 anos. Como sempre acontece em nossa cidade, conhecemos várias pessoas em comum, só não nos conhecíamos, ainda. Quando ele falou qual era o carro, foi paixão à primeira vista, eu vi o escort prata estacionado, limpinho, bem cuidado, os bancos e interior bem cuidados, e soube que valeria a pena comprá-lo. Ele abriu o carro, mostrou o motor, ligou o som. Pareceu-me ser bem zeloso com o carrinho, convidou-me, então, para dar um running, e ter certeza de que o carro funcionava bem. Demos um volta na quadra, o Finha mandou eu acelerar bastante para ver se o câmbio automático e, consequentemente, os freios estavam funcionando bem. Pisca alerta, ar condicionado, pára-brisa, tudo estava ok. Voltamos à frente da casa dele e começou a negociação:
- Pô, U$800 está valendo muito a pena, Lucas. – Disse-me o Finha
O Alex olhou para ele sorrindo:
- Não, este aqui não tem como ser por U$800.
- Como não, Alex. Você disse no telefone que por U$800 saia o negócio.
- Não dá, Finha. Se eu vender este aqui, preciso comprar outro, e tenho que dar uma entrada de, no mínimo, U$1.000.
- Ah, pára, Alex, faz negócio aí com teu conterrâneo! O cara está precisando.
Alex me olhou, ele apenas sorria. Acho que já sabia que com o Finha é ruim de negociar, o cara é um vendedor nato. Ele tentou de tudo, ofereceu seu outro carro, um Taurus, ofereceu o carro da vizinha, um calhambeque caindo aos pedaços, mas o meu amigo continuava irredutível:
- Vamos lá, Alex. Depois eu compro tua caminhonete por U$2.500.
- Não, Finha, minha caminhonete não vendo por menos de U$3.000.
- Pois é, mas daí fechamos um pacotão e você me faz este valor especial.
Eu olhava aquilo tudo e ria por dentro. Teve um determinado, em que, de tanta insistência, o Alex quase cedeu à oferta.
- Pois é, não dá. – Falou coçando a cabeça, deveria estar pensando se valia desfazer-se do carro e colocar U$800 na mão. – Agora o Lucas tem que fazer uma proposta.
- Tá, se for U$800 nós levamos agora – eu tinha levado mesmo só U$800 – se for U$1.000, vamos pensar.
Depois o Finha me explicou que esta era uma deixa para que fossemos embora, segundo ele, o vendedor fica com medo de perder o negócio e acaba voltando atrás. Como sou meio burro pra esta coisas, acabei falando:
- Ok, por U$900 eu levo.
Pareceu-me que os dois ficaram felizes, Alex riu, olhou mais um vez para o carro. Finha ainda reclamou:
- Porra, Lucas, ele estava quase vendendo por U$800, devia ter oferecido só mais U$50.
Me deu uma ponta de arrependimento, mas eu estava tão afim de ficar com aquele carrinho que queria acabar logo com a negociação. Para você ter noção de como o Finha é vendedor, nesta hora em que o negócio foi fechado, ele deu um jeito de vender um telefone que não está usando para o Alex, por U$50. Ele sabia que o cara queria comprar mas estava se enrolando, e aproveitou a oportunidade.
O carro estava com toda documentação em dia, mas faltava um adesivo. Aqui nos Usa você tem que pagar um imposto, tipo IPVA, e eles colocam um adesivo na placa com o vencimento, e precisa também fazer uma revisão, após a qual colocam outro adesivo, este no pára-choque. Este segundo que estava faltando, mas segundo ele tinha sido pago. Alex ficou de fazer isso à tarde e ligar avisando, para que voltássemos para pegar o carro.
Saindo dali fomos para a surfshop, onde o Finha demorou uma hora e meia para escolher três camisetas. Eu já não agüentava mais, e quando ele decidiu pelas que finalmente levaria, virou para mim e disse:
- Agora vou ver as bermudas que estão em promoção.
Quase fui embora à pé, por sorte nenhuma agradou o gosto dele. Enquanto ele pagava, o que também demorou, fui até um posto de gasolina que existe na frente da loja, comprar uma água. Entrei na loja de conveniência, fui direto no refrigerador, peguei uma garrafa d’água, abri e fui bebendo enquanto caminhava em direção ao caixa. Quando parei na frente do atendente, um japonês alto, lembrei que só tinha na carteira notas de U$100, que tinha levado para a compra do carro. Então disse:
- Sorry, you have change? – Mostrando-lhe a nota.
Ele fez sinal de que não, fiquei um pouco perturbado, virei-me de costas, olhei para a loja para ver se o Finha estava saindo. Pensei em usar o cartão de crédito, mas era ridículo porque era menos de U$2. Quando voltei a ficar de frente para o atendente, ele estava de dedo em riste, começou a gritar furioso comigo:
- Ei, você não pensa que vai ficar sem pagar a água. Porque você bebeu se sabia que só tinha notas de U$100. Não pense que isso é problema meu, se você não tem troco o problema é seu.
Ele falava cada vez mais alto, mais alterado, eu o olhava nos olhos, ele parecia louco. Tentei ficar calmo, mas nestas horas fica difícil se expressar em outra língua. Disse-lhe que eu iria pagar, que não iria embora, e como eu poderia imaginar que ele não tinha troco. O cara bufava, fiquei com medo que fosse mais um desses psicopatas que existem por aqui, e que eu talvez fosse a gota d’água, no meu caso a garrafa d’água, que faltava para que ele saísse matando todo mundo, começando por mim, claro. Saquei meu cartão de credito imediatamente, pedi que se acalmasse. Ele arrancou o cartão da minha mão, continuo me xingando em inglês ou japonês, nem quis entender, só queria sair daquela loja. Eu não conseguia entender o motivo de tanta agressividade, quase tremia tamanho o choque que levei. O Finha me disse que devia ter gritado também e dito que chamaria a policia para fazer uma denuncia, mas não sou muito disso, além do mais, naquela hora, nem pensava nisso. Aqueles olhos esbuglhados e aquela gritaria me colocaram mais medo que qualquer onda gigante que já quebrou na minha frente. Depois o Alex me falou que vários usuários de crack vão para aquele posto fumar atrás da loja e beber cerveja. Acho que não estou tão mal assim para ser confundido com um viciado em ice, como eles chama esta droga aqui, mas tudo bem, ao menos posso pensar que o japa não é tão louco assim.
Perguntei ao Finha se o Alex tinha ligado:
- Nada até agora. Vamos no super agora, né?
E eu morrendo de vontade de ir para casa, queria surfar. Como carona não tem muita voz ativa, tive que acompanha-lo, inclusive ao McDonalds, depois das compras. Cheguei em casa depois das 14h, tinha saído antes das 10h, comi alguma coisa, vi que a prancha do Cau estava em casa, mas ele não. Fui então para Rocky Point. Era mais um dia de ondas fracas por aqui. Chegue lá e havia poucos surfistas na água e uma condição bem fraca, mas fui para dentro da água de qualquer maneira.
Ao longo da tarde, com a maré secando, as ondas aumentaram um pouco e as séries ficaram mais constantes. Peguei boas ondas antes de o line up ficar cheio de surfistas profissionais, que passaram a dominar as ações. Enquanto durou minha session, quase sozinho, pude pegar ondas rápidas, fazer bottom-turns bem na base da onda, colocando a mão na água, no estilo Tom Curren, um dos meus maiores ídolos, e rasgadas fortes e velozes. Num determinado momento, assaltou-me uma certa melancolia. Eu olhava toda aquela beleza ao meu redor, e parecia não estar ali. Tocou-me, no fundo do coração, um saudades enormes dos amigos queridos, da minha escola, do meu Porto Alegre. Foi então que fiz os cálculos e percebi que, mais ou menos, naquele momento, estava acontecendo o sat chakra de encerramento de ano lá na escola. É uma pratica que fazemos toda semana, para mentalizar as coisas que queremos na vida, aumentar nossa energia e confraternizar. Eu entendi que havia sintonizado com o pessoal de lá, e fiquei mais feliz. Foi o primeiro ano que não estava presente nesta prática, desde que a Unidade Rio Branco abriu, há 6 anos. Sai do mar, com a cabeça limpa de qualquer impaciência ou temor, sentimentos que tinha enfrentado antes do surf.
Coincidentemente, dentro da água, encontrei um cara que conheci em Noronha, em fevereiro. Ele mora em Aracaju e já veio várias para cá. Este mundo é mesmo pequeno, além de encontrá-lo descobri que ele está hospedado na mesma casa de um outro amigo, este baiano.que conheci em Bali, em 99. Ele contou-me que a American Airlines perdeu as 5 pranchas que ele havia trazido para cá, fiquei com uma dor no coração, porque não sei o que faria se chegasse aqui e minhas prancha, não. Estávamos saindo da praia conversando quando, mais uma coincidência, o Alex apareceu bem na hora para mostrar a praia para seu pai, que o visita aqui na ilha. Ele disse-me que o carro estava todo regularizado, com os adesivos, impostos e revisões em dia, e que só não gostaria de trazê-lo para mim, ele mora um pouco longe, porque tem medo de que aconteça alguma coisa no caminho.
Estava pedalando de volta para casa e o Alex me chamou perguntando se eu não queria botar a bicicleta a caçamba e ir com ele, trocar de roupa e buscar o carro. Aceitei de imediato, fui o mais rápido possível em casa, estava ansioso pela aquisição. Ainda passamos no Finha para pegar o tal telefone, e no caminho ainda vi o Cauê na rua, indo atrás de emprego, em Haleiwa.
Chegando lá o Alex me deu uma super atenção, disse que não queria esconder-me nada sobre o carro, principalmente porque eu sou da “terrinha”. Até aquele momento, ele não sabia de nenhum problema mecânico grave do carro e de nenhuma multa, mostrou-me todos os papéis. Na verdade estava ansioso por sair dali com meu carrinho, me senti um pouco como a Nai, quando foi pegar seu carro na concessionária e o vendedor deu-lhe mil explicações antes de libera-la com seu Fit zero quilometro.
Quando liguei o carro, dobrei a esquina e vi-me sozinho pela estrada, houve um sensação de liberdade, podia conhecer toda ilha agora, sem depender de ninguém, surfaria as ondas que escolhesse. Comecei a rir, celebrar, baixei o vidro, botei o braço para fora e para o alto. A Lua brilhava bem no centro do céu, numa noite clara, olhei para as montanhas ao redor, senti-me contente com aquilo. Aumentei o som, tocava uma música clássica, pouco importava, queria aproveitar tudo que o carrinho tinha. Sorri ao longo de todo caminho para casa. Não via a hora de mostrar para o Cau nosso novo meio de locomoção. Ele ficou bem impressionado com conservação do carro, combinamos de surfar Laniakea no dia seguinte, bem cedo. Fomos dormir com a certeza de que aproveitaríamos muito mais a partir daquele momento. Antes de adormecer ainda lembrei de meu amigo Thomas, que esteve aqui na temporada passada, dizendo-me:
- Pô, Luquinhas, mas vale a pena ter um carro para conferir todos os picos.
Agora eu sabia do que ele estava falando, e realmente tinha razão.
sábado, 22 de dezembro de 2007
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