sábado, 12 de janeiro de 2008

9/1 - The Real Hawaiian Power

Acordei às 5:10h, ainda era noite e dei inicio ao meu sádhana, com a intenção de mentalizar bastante, deixar o corpo solto e a consciência bem lúcida para o que estava por vir. Foi uma prática difícil de ser feita, porque eu não aparava de pensar nas ondas, imaginar os tubos, meus drops. Eram 5:50h quando acabei minha meditação e tentei acordar o Cauê pela primeira vez, ele nem respondeu. Fui até o Jadson e chamei-o, ele abriu os olhos, me olhou, e tornou a deitar a cabeça. Comecei a fazer uma vitamina, quando já estava pronta, resolvi dar uma nova chance aos dois. Chamei primeiro o Cau, que disse-me:
- Mas, meu, que tipo de surfista tu acha que é? Vai surfar de noite? – Arrumou-se entre o cobertor e nem levantou a cabeça.
Saí do quarto rindo e cutuquei o Jadson, desta vez ele levantou a cabeça e o tronco. Sentou na cama, e ficou me olhando.
- Vamos nessa, meu!
- Tá, tá. Estou indo, peraí.
Comemos um pouco mais, coloquei as quilhas na minha 6’9’, a única prancha que ainda não tinha sido estreiada aqui no Hawaii. Resolvi levar também minha 7’2”, caso o mar estivesse maior do que imaginávamos. Jadson também trouxe duas pranchas. Tive que incomodar bastante para sairmos de casa logo, já eram quase 6:20h. Antes de sair definitivamente, ainda voltei ao quarto:
- Cauê, tua última chance. Você vai ficar!
- Tá!
Surpreendi-me com a resposta:
- Vai ficar, então?
- Vou.
- Abraços.
No carro só toca o cd de mantras eletrônico que eu trouxe, e a faixa preferida do Jadson é Jaya Guruji Ôm Dê. Ela foi nos acompanhando até estacionarmos e irmos olhar o mar. Já havia uma enorme movimentação em Pipeline, vários carros estacionados, as cuas Volcom Houses estavam com as luzes acessas, surfistas saindo de dentro do portão da casa mais antiga, indo direto para dentro do mar. Encontrei o Paulo Barcelos olhando o mar:
- Viu, moleque, te disse que não precisava me chamar. – Disse-me rindo.
O mais impressionante foi olhar para o mar e ver que já tinham alguns surfistas dentro da água, principalmente bodyboarders. Ainda não era dia, Havia apenas aquela claridade, de quando o sol está quase nascendo, e aqui ele ainda nasce atrás de alguns morros, no leste. Portanto, estava quase escuro. Um brasileira que estava olhando o mar disse-nos:
- Eu já vi os caras pegando uns tubos, quase no escuro.
Loucura total! Perguntei-lhe sobre o tamanho do mar, ela não sabia dizer, mas haviam ondas com um certo tamanho, 6 a 8 pés. Muitas fechavam, mas estava já era o Pipe maior que tinha visto. Ainda perguntei para o Paulo:
- Com que prancha você acha que caio, 6’9” ou 7’2”?
- Cara, esta informação não sei te dar, só uso uma prancha, né!? - Ele é bodyboarder – Mas vem com a que tiver mais remada, isto vai estar um inferno.
Voltamos para o carro e resolvi arriscar com a prancha menor mesmo, ela tem uma boa borda, o que proporciona uma remada mais eficiente. Nós dois precisávamos passar parafina nas respectivas pranchas, e resolvemos fazer isso na beira da praia. Sentado na areia, olhando aquelas ondas barulhentas e poderosas quebrando, meu corpo tremia um pouco. Ainda não sei se pelo frio das roupas molhadas, pela emoção de surfar Pipe, ou pela adrenalina. Talvez um pouco de tudo. Eu sabia que não podia ficar olhando demais, queria entrar logo no mar. Ainda fiquei indeciso sobre a prancha, pensando em ir buscar a maior, mas o Jadson logo me chamou e fui com minha verde-amarela (são as cores dela) mesmo.
Assim que entrei na água, acalmei-me. Parece que tranqüilizo-me quando estou mais perto das ondas, vendo-as de uma forma mais real. Remando para o pico, vi que haviam, mais ou menos, 50 pessoas ali, e nem tinha amanhecido de verdade.
Tentei me posicionar no meio daquela multidão, o que não é nada simples, especialmente porque eu nem sei direito onde é que a onda quebra. Logo em seguida, entrou uma onda menor, mas indo quebrar num lugar onde havia menos gente. Remei nela, gritei, ninguém entrou comigo. Segurei na borda, direcionei o bico bem para a esquerda e vi um lip azul e grosso rodando lá na frente, eu estava entubando em Pipeline, continuei dirigindo a prancha, e sai seco de dentro dele. Nossa, aquilo foi muito emocionante. A onda não era muito grande, não havia ninguém com quem celebrar, mas eu quase dei um grito de alegria! Contive-me, comemorei comigo mesmo, ri sozinho e voltei remando para o pico. Ainda vi o Jadson pegando sua primeira onda, também um tubo seco, depois do qual ele ainda manobrou, distanciando-se de mim.
Os havaianos posicionam-se no melhor lugar para se surfar a onda, é como se eles estivessem sozinhos no pico, ninguém atreve-se a aproximar-se de onde eles ficam. Existe um respeito muito grande dentro da água, e eles utilizam-se bem disso. Num determinado momento, o Kala Alexander, uma espécie de cherife da onda, gritou com todo mundo:
- Hoje é um dia muito perigoso para alguém se machucar. Não pode remar na onda de ninguém. Se alguém entrou na onda, nem reme.
E todo mundo leva muito à sério este tratado que existe, toda vez que alguém realmente rema, ninguém mais nem tenta entrar na onda.
Ainda peguei mais algumas ondas, 7 no total, sendo que fiz um outro tudo irado. Fiquei lá dentro e na hora de sair, ela quase fechou, mas direcionei a prancha bem para cima e sai do barrel, feliz, obviamente. Houveram duas ondas que só corri, sem tentar entubar, mas em pé olhando aquela onda se desdobrar na minha frente.
Além disso, vi cenas incríveis, destas que eu muito já admirei em fotos e vídeos. Agora eu estava ali, vendo tudo ao vivo. Os tubos são gigantes, os drops são atrasados, e a velocidade da onda é incrível. Bom, sobre a força da onda, é algo que nem tenho parâmetros para descrever. Ela quebra com um power enorme, fazendo um barulho assustador toda vez que explode sobre a rasa bancada.
Antes das 9h, foi anunciado que o campeonato começaria em breve. Estamos em um período de espera, que começou dia 3 e vai até o dia 12, para a realização de um campeonato só para convidados, em sua maioria havaianos, chamado Backdoor Shootout. Houve uma solicitação para que todos deixassem a água, o que demorou um pouco, levando um havaiano a ficar indignado, xingando todo mundo.
Saí do mar com um enorme sorriso no rosto. Tinha feito boas ondas, sem erros e pegados dois tubos em Pipe. Para mim já estava super bom. Ainda fiquei olhando as ondas quebrando com pouca gente lá fora, é um lugar realmente incrível. Nunca vi nada tão intenso.
O Jadson saiu em seguida, e ficamos olhando o inicio do campeonato, mas logo fomos para o carro. Queríamos voltar para casa, comer alguma coisa, e surfar em algum outro lugar. Passamos por Sunset e Rocky Point para saber onde estava bom, além de ali. Sunset pareceu a melhor opção, é um lugar que funciona muito bem com esta direção de swell, northwest.
O Cau já tinha saído de casa, e o Julião passou ali para pegar outra prancha, estava indo para Sunset. Ficamos cerca de uma hora em casa, antes de rumarmos em direção à praia. Acabei estacionando em Pipe mais uma vez, enquanto descansávamos, iríamos aproveitar para ver o surf dos melhores surfistas naquela onda. Encontramos o Paulo Barcelos, sentamos ao seu lado. Ele ficou falando sobre seu conhecimento da onda, mostrando-nos as boas, as fechadeiras, as impossíveis, e aqueles que eram “só para bodyboard”. O mar não parava de crescer, e a quantidade de água que se movimentava ali fora era absurda, nunca tinha visto nada parecido. Era como se pudéssemos ligar uma máquina de lavar gigante e ficar observando o movimento das águas.
Logo depois o Bruno apareceu e vimos o Cau sentado na beira da praia. Ondas enormes e tubos grande foram surfados, apesar de as séries estarem bem demoradas. Por mais incrível que pareça, as ondas não paravam de crescer. Se pela manhã as maiores tinham 8 pés, agora já passam dos 10 pés, certamente. Ficamos ali até o início da tarde, eu estava afim de surfar mais, de ver como estavam as outras ondas. Disse que iria conferir Sunset, o Jadson veio comigo.
Quando estacionamos o carro, vimos o Júlio, e fomos falar com ele. Ondas enormes quebravam lá fora, ele disse-nos que foi a maior série do dia, e que tinha varrido todo mundo do outside. Permanecemos ali olhando o mar por algum tempo. Fiquei dizendo que deveríamos surfar, a adrenalina já estava correndo por dentro de mim. Decidimos voltar para casa, o Júlio tinha que pegar a prancha dele. Ele tinha surfado ali pela manhã, mas deixou a prancha em casa.
Quando chegamos em casa, o Júlio e o Jadson sentaram-se, um na frente da televisão e o outro, do computador. Estava louco para sair logo dali, mas, por insistência do Júlio, fui até Waimea Bay ver se estava quebrando um onda chamada Pinballs. Na verdade, é a mesma onda de Waimea, mas quando quebra até 12 pés, ele chama desta forma. Fui de bicicleta, mas nem fiquei olhando muito haviam poucos surfistas na água e parecia estar bem demorado.
Voltei pra casa e fomos para Sunset. Estacionamos os carros, e enquanto nos arrumávamos, Julião falou:
- Ó meninada, vamos entrar com calma. Sem ansiedade. Vamos remar lá pra fora tranqüilos e pegar umas duas ondas. Sem afobação, viu, Lucas.
Ouvi tudo atento, o Jadson também ficou sério, concordando com tudo. Ele estava com uma prancha bem pequena para aquelas condições. Eu ia surfar com minha maior prancha, um 7’6”.
Assim que chegamos na beira da praia, o Júlio olhou para o mar, que estava enorme:
- Cara, não tem mais ninguém no mar! Será que devemos cair?
- Pô, Julião, quem sabe é você.
- Ah, vamos lá pegar duas ondas e sair, está muito over este mar.
- Quem sabe a gente não cai, então?
Nesta hora o Jadson me disse para não falar nada, iríamos cair agora que estávamos ali. Enquanto eu passava parafina na minha prancha, os dois foram para dentro da água. Demorei um pouco mais e quando entrei eles já estava quase no outside. Para entrar na água já era preciso um certo esforço, havia ondas enormes quebrando bem na beira. Passei por elas e remei para fora.
Quando estava quase chegando lá fora, vi que, além dos meus amigos, haviam três surfistas, mas eles remavam para baixo do pico, como se quisessem ir para o inside da onda. Na realidade, eles estavam querendo sair, pois as condições estavam realemente fora de controle ali, mas na hora nem percebi isso.
Vi que o Júlio e o Jadson estavam mais para fora, remando para o lado oeste, à esquerda que quem rema lá para fora. Sunset é um lugar onda as ondas movimentam um enorme de água, sempre quebrando para a direita, e tem um canal profundo. O que facilita a chegada ao outside, mas dificulta o posicionamento dentro da água, as ondas quebram em vários lugares, nunca há só um pico definido. Neste dia, então, não havia nada definido.
Assim que cheguei próximo aos dois, eles remavam em direção ao canal, e eu já estava mais dentro do canal, apenas continuei remando para minha esquerda. Acontece que nesta hora vi uma série enorme entrando, marchavam ondas que eu nem podia calcular o tamanho.
Quando a primeira chegou, eu vi que tinha, no mínimo, 12 pés. Passei por cima dela, sempre olhando para a direita, para ver meus amigos. Na segunda onda, que tinha o mesmo tamanho da primeira, remei, pois sabia que atrás viriam ondas maiores. Não consegui entrar na onda, mas ainda estava, na minha concepção, bem posicionado, quase no canal.
Assim que a segunda onda passou, olhei para trás e tive um visão assutadora, a terceira onda entrava bem de oeste, ou seja, bem em cima de mim. Os dois passaram pela onda sem que ela estivesse quebrando, mas em cima de mim ela explodiu. Soltei a prancha, peguei o máximo de fôlego e desci o máximo que pude. Sabia que iria girar muito, e foi o que aconteceu. Ainda consegui pegar um pouco mais de ar, antes que ela me puxasse para baixo uma segunda vez. A quarta onda da série também quebrou na minha frente, e eu mergulhei, tentando ser levado ao máximo, para não ficar na zona de impacto, onde os ondas quebram. Na onda seguinte, consegui pegar a prancha e já estava mais distante de onde ela explodiu. Passei por baixo e virei o bico para a areia logo depois. Remei feito um louco, e toda vez que olhava para trás, via mais ondas enormes entrando, por sorte estas entravam mais de norte, indo quebrar longe de mim. Queria também saber como estavam os dois lá fora, mas não os via. Quando cheguei no inside, peguei uma pequena, para o dia, e surfei-a o máximo que pude. Depois remei o mais forte que pude, e fiquei muito aliviado quando toquei meus pés na areia.
Já fora do mar, vi que o Júlio estava saindo mais para o meio da praia. Depois ele me contou que tomou uma série enorme na cabeça, foram umas dez ondas enormes, que o arrastaram para a beira. O Jadson ainda estava lá fora, mas já mais no inside, onde pegou uma para se aproximar mais da beira.
Quando nós nos encontramos no estacionamento, riamos e celebrávamos que nada de mais sério havia acontecido. Estávamos muito adrenalizados, tinha sido muito intenso aqueles poucos minutos em que estivemos dentro do mar. Acho que as risadas eram também de nervosismo. Cada um tinha passado por uma experiência diferente, mas as três eram de um sufoco enorme. O Júlio chegou a dizer que nunca tinha passado um terror tão grande aqui, e ele já mora aqui há 17 anos. Ambos me xingaram um pouco, pois eu que havia incentivado o surf ali:
- Pinballs deve ter altas e a gente passando este terror aqui, Lucas. – Disse-me o Júlio.
- Poxa, mas eu sou novo aqui. Eu olhei e não achei bom, né!
Júlio foi embora, e eu e o Jadson voltamos para Pipeline, ver a ação dos locais por lá. Quando chegamos na beira da praia, eu simplesmente não conseguia acreditar que havia gente surfando aquelas ondas, já chegavam há 15 pés, o que significa que, olhando-se de frente, as faces tinham 10 metros, talvez mais. Toda vez que alguém descia umas daquelas massas de água, a praia toda silenciava. Estava emocionante demais. Ficamos por ali vendo tubos insanos sendo surfados. Em dias como estes, há uma seleção enorme de qual onda surfar, o que torna cada drop, cada tubo, mais precioso.
Voltamos para casa, e o Cau estava em Waimea. Fui lá ver a maior onda de Oahu funcionando. É realmente um espetáculo da Natureza, o poder do oceano mostra-se ali com toda sua grandiosidade. O mais incrível é que existem seres humanos que vão lá com suas pranchas, interagir com aquele movimento de águas.
A onda quebra bem longe a praia, diferente de Pipeline. Isso fez com que a intensidade de Pipe me tirasse dali. Falei para o Cau que queria ver mais um pouco do surf por lá. Eu sabia que eles iriam acabar o campeonato antes do final do dia, e vários surfistas entrariam no mar para enfrentar um big Pipe.
Foi exatamente isso que tinha acontecido, quando chegamos na praia vimos varias pranchas tentando surfar ondas enormes e pouco perfeitas. Estava tão grande, que nem os tubos, maiôs característica desta onda, estavam quebrando. Mesmo assim ficamos assistindo a movimentação por ali. Teve uma série que tinha tantas ondas, e quebrou tão longe de onde todos estavam, que praticamente todos os surfistas foram expulsos do mar. Sorte deles.
Quando cheguei em casa, o Júlio disse-me que no dia seguinte estaria maior, e ele iria me chamar para surfarmos Waimea. Ele tinha uma prancha grande e me emprestaria. Pedi que me acordasse cedo, e fui para o quarto logo em seguida.
Na hora em que me deitei para dormir, fechava os olhos e lembrava daquela onda quebrando na minha frente, chamei o Cauê para conversar um pouco com ele, e compartilhar o que tinha vivido. O Cau disse-me que estava no quarto com o Jadson, e o menino dizia que iria ter pesadelo, que tinha sido intenso demais. Falou que quando viu a onda quebrando em cima de mim, olhou para trás e pensou: Deus, cuida do Lucas!
Dormi sabendo que tinha vivido um dia de verdadeiro surf no Hawaii, e era apenas o primeiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Luquinhas, é a primeira vez que entramos no blog da tua viagem. Eu e o bru lemos juntos, emocionados, torcendo prá você pegar altas e quando voltar contar tudo pessoalmente pra gente. Hoje teu irmão tava aqui no Rio, levamos ele pra conhecer o Joá e lembramos de você surfando altas um dia lá. Saudade gurizinho, aproveita!

SwáSthya e carinho. Vanessa e Bruno.