- Vamos para a aula, Julião?
Ele deu um pulo e logo ficou de pé:
- Vamos lá. Já demorou para começar.
O Jadson também já estava de pé e apareceu com o um pão na boca e um copo de leite na mão:
- Moleque, não pode comer antes de praticar.
- Cara, mas eu preciso engolir alguma coisa, senão não paro em pé.
Chamei o Cauê, todos foram para a sala e nos ajeitamos para que os três pudessem praticar comodamente. Comecei a prática com técnicas de reeducação respiratória, o que é bem útil para todos, freesurfers e competidores. Foi muito gratificante dar a aula porque matei as saudades de meu ofício, além disso a concentração dos três foi impressionante, desde o início até o final da classe. Quando acabou, todos estavam com enormes sorrisos no rosto, o Júlio veio apertar minha mão para agradecer, e o demais o acompanharam.
Logo em seguida, eu e o Cau saímos para o patrol pelas praias. Pegamos o Bruno na casa dele, mas não achamos nada muito bom para se surfar. Lá na praia, um cara me falou que as bóias em Waimea já estavam sinalizando 8 pés de ondas, mas não levei muito à sério porque não estava com jeito de que ia melhorar. As ondas pareciam fracas e mexidas, além disso, o vento estava bagunçando tudo.Tínhamos combinado de ir conhecer a fabrica de pranchas onde o Júlio trabalha, e, em seguida, fazer compras num supermercado que fica um pouco longe daqui, mas com preços bem mais baixos. Voltamos para casa, e demoramos um duas horas para sairmos novamente. Fomos todos no meu carro, indo em direção à Haleiwa.
Aqui onde estamos localizados funciona assim, se sairmos de casa e formos para a direita, em direção ao leste, encontramos as ondas de Rockypiles,Log Cabins, Off the Wall, Backdoor, Pipeline Pupukea, Gas Chambers, Rocky Point, Kammieland, Sunset e Velzyland. Porém, indo para o lado esquerdo, em direção ao oeste, existem as ondas de Waimea Bay, Alligators, Marijuana, Leftover, Chun’s Reef, Jockos, Laniakea, Haleiwa e outras que não conheço.
Enquanto dirigíamos, logo na baia de Waimea, notamos que o swell tinha melhorado. Logo que avistamos os outros reefs, o Júlião, com sua serenidade, dizia-nos:
- Cara, tem altas ondas! Como vocês disseram que não tinha nada? Pô, vocês não podem fazer o patrol.
A cada onda que passávamos o cenário melhorava, uma onda melhor que a outra, mais perfeita, maior. Começamos a pular dentro do carro.
- Pára, pára, pára. Vamos voltar, meu irmão. – Dizia o Jadson.
O Júlio não deixava, pois precisava ir finalizar uma prancha, ele é quem lixa a prancha antes de ela ser entregue ao consumidor. Quando paramos na frente de uma onda que ainda não havia visto quebrar, ele falou:
- Aqui é Jockos. Esta onda é animal.
A visão era linda, uma esquerda volumosa, quebrava com velocidade e um bom tamanho, ao lado de um canal gigante. Pudemos ver um tubo quebrando sozinho mais para o inside. Mesmo assim, tivemos que continuar nosso caminho, ao invés de voltar e pegar nossas pranchas. Realmente, onda boa tira qualquer um do sério. Só falávamos naquelas ondas e no quanto queríamos surfá-las imediamente.
Chegamos na fábrica, perto de onde localizam-se praticamente todas as outras fábricas de pranchas do Hawaii. Em minha cabeça, eu sempre imaginava lugares grande, cheios de infra-estrutura, mas não é nada disso, são super simples, pequenos, e com poucos empregados. Lá onde o Júlio trabalha, é onde eles também fabricam um novo tipo de bloco, que substitui o poliuretano, usado em 90% das pranchas. A nova tecnologia chamasse IPS, e é absurdamente mais leve e resistente. Enquanto esperávamos por ele, fomos conhecer a fábrica do Eric Arakawa, um dos melhores do mundo. Nestes lugares, não são muitas pessoas que visitam, então ficamos com um pouco de vergonha de entrar. Então apareceu um sujeito pequeno, levemente japonês perguntando o que queríamos. Dissemos que queríamos conhecer a fabrica, ele então apresentou-se:
- Hi, I am Eric.
Foi legal chegar, e conhecê-lo assim, no susto. Um funcionário português apresentou-nos tudo. A quantidade de pranchas que tinha lá dentro me deixou louco. Eu e o Cau ficávamos feito crianças lá dentro, querendo saber de tudo. Perguntamos sobre os valores, e se tinha pranchas pequenas para a venda. Ele trouxe-nos um 6’0”, que peguei na mão e queria comprar, mas nem tinha aquela grana. Não parava de olhá-la, mas o Jadson falou:
- Cara, eu nunca vi um cara tão alucinado por prancha como você. Tem que tirar a prancha da mão dele, senão a gente não sai daqui.
Eu dava risada, mas tive que deixá-la lá porque já estava na hora de voltar. Ainda voltamos à temo de ver o Júlio finalizando o longboard que estava lixando, e fomos embora logo em seguida.
No caminho, enlouquecemos de novo vendo as ondas, todo mundo querendo chegar logo em casa. Depois de arrumarmos tudo ficamos indecisos com relação ao local onde surfar. Eu ficava falando para voltarmos para Jockos, mas o Julião dizia:
- Será? Jockos?
- Mas porque, Julião? Você não gosta daquela onda?
- Cara, eu amo aquela onda. Aquela onda é demais, mas pode ser que tenham outros picos quebrando.
Acabamos indo para Rocky Point, o Júlio foi no carro dele. Tinha altas ondas e pouca gente na água. Nem esperamos muito para ver as séries, voltamos para o carro e começamos a nos arrumar. Quando estávamos prontos para ir para a água, estaciona o carro do Júlio e ele diz:
- Pô, galera, tem altas ondas, mas acho que Jockos vai estar melhor. Eu vou passar em casa e pegar minha prancha maior, porque lá precisa de prancha com remada, a onda é volumosa.
Olhamos um para a cara do outro e decidimos segui-lo. O Jadson entrou no carro do Júlio, e o Cau colocou a prancha dele também lá dentro, para não precisarmos coloca-las em cima do carro de novo. Na volta, paramos para olhar Pipeline, que estava quebrando da forma mais perfeita desde que cheguei aqui. Mesmo assim, não estava muito perfeito, e tinha bastante gente dentro da água. Ainda passamos na casa do Bruno para buscá-lo, insistimos para que ele pegasse uma prancha maior, mas ele duvidou que o mar estivesse crescido tanto.
Ao invés de passarmos em casa para pegar as pranchas grandes, fomos direto para Jockos. Ao passarmos na frente de casa, vimos que ele já tinham ido também. Estacionamos do lado deles, e já fomos colocando os calções de surf e tirando as pranchas da capa. O Júlio estava com uma prancha 7’4”, que já é uma prancha grande. O Jadson tinha pegado sua 6’5”, mas quando o Cau foi pegar a sua, não a encontrou:
- Vocês deixaram minha prancha em casa?
- Achamos que vocês iam passar lá para buscar as pranchas maiores, e deixamos lá.
Neste hora eu já estava vestido, joguei a chave do carro para o Cau para que ele fosse para casa buscar sua prancha, e saí, com o Jadson e o Júlio, em direção à praia.
Enquanto estávamos alongando um pouco e olhando as séries, apareceu um brasileiro com uma prancha quebrada ao meio:
- Esta onda adora quebrar um prancha. – Disse-nos ele.
Notei que seria bom uma prancha menor, voltei até onde estava o Cau e disse-lhe que ele poderia trazer uma prancha minha, que revezaríamos dentro da água.
Eu estava muito feliz por aquelas ondas, que pareciam ter de 4 a 6 pés, com bastante água em movimento e muito perfeitas. Enquanto remávamos, o Júlio me dizia:
- Vai com calma, Lucas. Esta onda é bem forte.
Não conseguia esperá-lo, acabei remando na frente e cheguei lá no line up rapidamente, o Jadson estava atrás de mim. Logo que cheguei, entrou uma série e remei na segunda onda. Dei um drop bem vertical, fiz a cavada lá embaixo, e uma sessão da onda quebrou na minha frente. Assim que passei por ela, vi o Júlio descendo a onda, mantive uma distância dele, enquanto sentia a velocidade da onda, e via o coral sob o qual eu passava por cima. Ele fez algumas manobras e botou dentro de um pequeno tubo.
Quando a onda acabou, ele me viu e espantou-se que ainda estivesse atrás dele o tempo todo, achava que eu tinha caído lá no inicio. Desculpou-se comigo, mas não foi problema algum. Claro que eu teria curtido mais a onda sozinho, mas estava contente com o power e o tamanho daquela onda. Senti que seria melhor mesmo ter uma pranhca menor, mas teria que dar uma jeito com minha 6’3” mesmo.
Fui pegando o jeito da onda, é impressionante porque aqui no Hawaii, nenhuma onda é parecida com a outra. Todas elas tem um jeito diferente de serem surfadas, tem uma força diferente, quebram de uma maneira distinta, tem um macete especifico. E a onda de Jockos é bem forte, mas é preciso manter-se bem próximo da espuma, pois a parede fica gorda ao afastar-se dela. Por isso, a manobra acontece sempre para dentro, voltando contra a onda, o que às vezes é difícil, pois se a espume lhe acerta, é complicado de ficar em pé.
Vi umas ondas incríveis do Jadson, nem parecia que ele estava com uma prancha daquele tamanho, e nem surfando uma onda tão power. O moleque cavava e dava manobras na parte mais critica, com muita forca e sem perder o controle da prancha.
Num determinado momento, estava remando para fora e entrou uma série, eu estava olhando-a entrar, e logo na primeira onda ninguém conseguiu entrar. Um surfista remou, mas foi ficando para trás, e gritou:
- Vai, Julião!
O Júlio estava posicionado no pico, mas não havia remado para não atrapalhá-lo, porém neste momento, ele já estava bem atrasado. Nos milésimos de segundos entre o grito do cara, e a remada do Júlio, ainda pensei: Impossível, não tem como ele ir!
Porém, ele virou o bico da prancha para a areia, deus umas duas ou três braçadas e ficou em pé na parte mais critica da onda, o lip quebrava e o Júlio estava junto dele, fazendo um drop no ar, numa onda que tinha, no mínimo, uns 5 pés havaianos, quase 8 pés brasileiros. Fiquei chocado com aquilo, me dá uma alegria muito grande testemunhar estas coisas incríveis que acontecem no surf, e quase fui sugado pela onda. Esta minha mania de ficar vendo as ondas de todo mundo, às vezes me coloca numa fria. Não sabia se ele tinha completado aquele drop, o que era muito difícil. Assim que a onda passou, olhei para trás, e deu tempo de ver a metade da prancha do Júlio submergindo, logo veio outra onda e eu tive que passar por ela, mas sabia que ele havia caído, e, o que era pior, havia quebrado sua prancha. No entanto, foi admirável a atitude dele, foi um momento marcante da trip, que não me sai da cabeça.
Depois de um bom tempo dentro da água, quando já achava que o Cau tinha ido para outro lugar, ele apareceu remando lá fora, com minha prancha maior 7’6”. Fiquei feliz aon vê-lo, naquela hora o mar já não estava tão constante, a maré havia enchido, entrou bastante gente na água, e eu já não estava pegando tanta onda. Ele avisou-me que tinha trazido minha 7’2”, mas já estava adaptado com a prancha menor mesmo.
O final da tarde foi chegando, e com isso os braços foram ficando cansados, o corpo já não respondia com tanta velocidade ao comandos do cérebro. Tínhamos entrado no mar um pouco depois das 14h e já eram tinha passado das 17h. Avisei o Cau e o Jadson que sairia em seguida, e peguei uma saideira boa, com muitas manobras.
Depois que chegamos em casa e tomamos banho, eu e o Cau desmaiamos com computadores ligados, luz acesa e som alto. Acordei quando já eram 21h. Comentei com o Júlio sobre sua onda e ficamos conversando sobre aquelas ondas incríveis que havíamos surfado naquele dia. O dia seguinte tinha uma previsão de baixa no swell, fomos dormir a sensação de que o surf, a partir de agora, seria realmente havaiano. As ondas tinha crescido absurdamente para um período de duas horas, e aquilo era um ótimo sinal
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