- Você está querendo o cobertor, né!?
- Sim.
E ele me estendeu sua coberta. Só depois disso é que consegui dormir sossegado.
Depois que acordamos, fomos ver o mar, que estava pequeno e mexido. Esta tem sido uma das piores temporadas dos últimos tempos. Todo mundo me diz que não é nada normal a quantidade de chuva que tem caído, a quantidade de vento que tem soprado, nem a quantidade de onda ruim que tem quebrado.
Resolvi cozinhar o feijão, que deixei de molho na noite anterior. Peguei a receita que o Dinar me mandou pela metade e fui pra cozinha. Comecei um pouco antes do meio-dia, mas só foi ficar pronto lá pelas 14h. Apesar da demora, todos gostaram muito, e nem eu estava acreditando que tinha feito aquele feijão. Além disso, encontrei uma farinha da mandioca no armário do Júlio e fiz uma farofa.
Falei com a Naiana, e lá em Ibiraquera todos estavam se preparando para a virada. Nestas horas, me dá uma vontade enorme de estar junto com os meus pais e amigos queridos. Ela disse-me:
- Vê se pensa na gente quando der meia-noite aqui.
- Eu vou pensar, aqui serão 16h.
Um pouco antes deste horário, eu e o Cau fomos até Pipeline, e sintonizei com a grande festa que deveria estar acontecendo quando bateu meia-noite no Brasil. Fechei os olhos, pensei coisas boas, amei meus amigos e fiquei bem feliz em poder compartilhar, mesmo à distância, este momento festivo.
No mar haviam as melhores ondas que vimos em Pipe, desde que chegamos. Fomos também até Rocky Point, mas não estava tão bom. Resolvemos ir para casa, pegar as pranchas e chamar o Jadson, que tinha ficado jogando:
- Eu surfo onde vocês surfarem. – Disse-nos enquanto saímos de casa.
Quando voltamos para Pipe, com as pranchas e o Jadson, o vento tenha aumentado e uma chuva fina tornava o final do dia cinza e frio. Ficamos olhando o mar por um bom tempo, passei bastante frio nesta hora. O mar tinha piorado bastante e não sabíamos se valia a pena cair. Entramos no carro, dirigimos até um outro loca, de onda podíamos ver a onda de frente. Continuava a indecisão, a chuva, o vento e o frio. Quando estávamos quase desistindo o garoto Jadson falou:
- Porra, moleque, é o último dia do ano. Vamos entrar aí e surfar de qualquer jeito. Eu tenho que agradecer pelo ano que tive, e pedir por um 2008 melhor ainda.
Acabamos seguindo seu conselho e fomos pegar as pranchas no carro. O Cauê tinha levado só sua 6’1” nova, e eu tinha levado duas, então disse a ele:
- Pô, Cau, se quiser pode cair com minha 6’5” porque vou cair com a outra.
O mar tinha um certo tamanho, e achei que a prancha dele ficaria pequena. Ele pegou minha prancha e saímos para o mar. O Jadson entrou correndo na água e eu fui caminhando devagar, curtindo aquele momento Nossa, estou entrando em Pipeline! Não era um Pipe de verdade, e o swell fazia com que as melhores ondas fossem as direitas, mas mesmo assim aquilo era especial para mim.
Ao entrar remei forte e vi alguma ondas quebrando tortas, balançadas pelo vento. Tentei me posicionar no pico, mas é bem difícil quando não se tem noção de onde a onda quebra. O Paulo Barcelos estava no mar e me deu uma orientação, falou sobre um ponto de referência que é exatamente onde a onda quebra. Por acaso este ponto fica dentro da casa do Jamie O`Brien, um surfista que tem a minha idade mas anda tão profundo nos tubos em Pipeline e Backdoor, que já é uma lenda no universo do surf. Além disso, o cara mora praticamente dentro da praia, na frente da onda masi desejada e perfeita do planeta.
A corrente estava puxando para o oeste, tirando-nos facilmente do local correto para se surfar Pipe. Acontece que ao lado desta onda está Backdoor, e logo em seguida, existe Off The Wall. Como não estava conseguindo me manter no lugar, acabei surfando duas ondas em Off The Wall, a segunda delas tinha um certo tamanho, pareceu-me que ia rodar um tubo, mas acabou fechando e tive que virar o bico para areia. Assim que a espuma me encontrou, derrubou-me da prancha,e achei melhor sair do mar.
Corri pela praia e voltei para dentro da água. Enquanto remava em direção ao outside, vi o Cau remando numa esquerda perfeita, ele ficou em pé depressa, segurou a mão na borda e desceu a onda de lado, vindo na minha direção. Esta onda deve ser surfada exatamente desta forma, pois o tubo começa desde o início e, geralmente, acaba junto da onda. Infelizmente, na onda do Cau não rolou o tubo, mas foi um momento especial, ver meu amigo surfando em Pipeline. Ele saiu todo sorridente e celebrei com ele.
Remamos juntos para fora, disse a ele que não tinha pegado nenhuma esquerda, e que as direitas estavam mais perfeitas. É impressionante o volume de água que a onda concentra ali. A cada onda que entrava era muita água em movimento. Quando chegamos lá fora, tentamos, mais uma vez, mantermo-nos no lugar certo. Acabei deixando a corrente me levar um pouco, ficando um pouco mais para fora. Vi que o Cau remou numa onda, mas não conseguiu entrar, então ficou embaixo do pico. Só que logo em seguida, entrou uma direita para Backdoor que parecia ser perfeita, só que a onda era um double-up, quando uma onda fica em cima da outra. Lá de onde eu estava, o vi remando e comecei a pensar comigo mesmo Não entra, não entra! Acontece que o Paulo Barcelos, bodyboarder casca-grossa, acostumado com a situação, estava perto dele e deu um incentivo:
- Vai lá, moleque! Vai lá!
Só fiquei olhando para ver no que ia dar. A onda dobrou por cima dele e não vi mais nada. Quando o avistei novamente ele puxava a cordinha, mas só veio metade da prancha. Fiquei aliviado porque nada tinha acontecido com ele, mas triste pela minha prancha, era a segunda vez que ela foi quebrada em menos de 20 dias.
Comentei com o Paulo que a prancha tinha quebrado na onda que ele gritou. Ele disse-me:
- Por isso que não gosto de ficar botando pilha pra neguinho ir nas ondas. Dias desses falei para um moleque remar numa onda, ele caiu e tomou sete pontos na testa. Depois veio tirar satisfação comigo. Pô, se o cara não tem habilidade a culpa não é minha, né!?
Não precisa me incentivar em nenhuma onda, viu? Pensei comigo mesmo. Continuei ali por mais algum tempo e consegui pegar uma esquerda, minha primeira onda em Pipe. Não era exatamente como eu tanto mentalizei em minha vida, mas essa ainda vai chegar. A onda fechou rápida, e nem coloquei no tubo, apenas passei por ela.
Percebi que o Cau estava na beira da praia passando frio, e ia sair da água para dar-lhe a chave do carro. De repente, vi que, ao seu lado, apareceu um alemãozinho com o cabelo raspado, e colocava o leash no pé e pareceu-me familiar. Quando ele corria para entrar no mar, tive certeza: era o Jamie O`Brien. O Cauê teria que passar um pouco mais de frio, porque não ia sair do mar. Ao menos não até ver alguma ondas surfadas por Jamie. A condição estava bem estranha, eu nem estava conseguindo pegar onda, havia muita corrente e estava difícil se manter no lugar certo. Depois de alguns minutos ao lado de Jamie é que vi que a coisa estava ruim mesmo, nem ele conseguiu pegar ondas boas, e acabou saindo do mar rapidamente.
Quando chegamos em casa, comecei a ter a sensação de que ia ficar gripado. Um moleza no corpo, aquela sensação de que você apanhou, ou fez muito exercício. A cabeça pesava, e passei a sentir o corpo quente. Tomei um banho e deitei para descansar. Suei muito, minhas pernas ferviam embaixo das cobertas, mas mesmo assim eu tinha frio.
Nem sei quanto tempo fiquei ali, mas quando o Cau veio me acordar, lhe disse que não iria sair. Ele insistiu, falando que era reveillon, que tínhamos que celebrar. Sai da cama sentindo-me melhor, botei uma roupa, e, com o corpo ainda quente, fomos para a casa do Bruno. Haviam alguns brasileiros lá, e todos iriam para praia antes da meia-noite.
Foi o reveillon mais estranho que já passei, parecia que não era bem ano novo, eu senti falta de minha família, sempre passei estes momentos com eles, senti falta de uma cama para deitar-me logo em seguida, de dar abraços nos amigos. Os que estavam ali, com exceção do Cau e do Bruno, eram amigos novos, então o sentimento é diferente.
A meia-noite chegou com muitos brilhos e gritos. A primeira chuva do ano caiu logo depois, tirando-nos da praia. De lá fomos para uma festa, onde tinha muita gente bêbada. E quando cheguei em casa, deitei-me, sabendo que a gripe tinha mesmo me pegado, mas com aquela esperança de que tudo ia melhorar, afinal, it's a new year!
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