terça-feira, 22 de janeiro de 2008

11/1 - Tropa de Surfistas

No dia seguinte à chegada da Tropa de Surfistas, o mar deu uma baixada. O Icaro, meu primo, acordou cedo, talvez por estar ainda no fuso-horário do Brasil, chamou-me e fomos para a praia olhar o mar. Pipeline tinha altas ondas, convidei-o para surfar, mas ele estava de “ressaca” e preferiu ficar na praia. Como já era quase 8 horas, saí correndo da praia para buscar a prancha e tentar surfar antes do início do campeonato, que pelo jeito iria acontecer.
Cheguei em casa apressado, o Renan estava indo à pé para a praia. Entrei em casa peguei minha prancha, o Jadson estava acordado, convidei-o para ir:
- Mas e o campeonato?
- Ah, vai começar daqui a pouco. Acho que dá pra pegar umas ondas ainda.
Fomos o mais rápido que pudemos, no caminho ainda encontramos os outros integrantes da casa, Guigui, que parece uma pilha Duracell, e o Thiago, o mais quieto de todos. Todo mundo se apertou no carro, pessoas, pranchas, mochilas, capas e capacetes.
Estacionei o carro, o Jadson pegou sua prancha e saiu correndo, os meninos foram para praia, e enquanto eu ainda me trocava o Jadson voltou:
- Acabaram de chamar o início das baterias, moleque.
- Putz, não acredito!
Coloquei de volta o calção seco e fui para beira da praia assistir o espetáculo que iria, mais uma vez, se acontecer, mais uma vez, à nossa frente. A onda, os tubos, o sol, o vento. Tudo estava perfeito naquela sexta-feira, cujo dia eu nem lembrava qual era.
Tanto eu, quanto os meninos, assistimos com olhos impressionados os surfistas desafiarem aquela água toda que se movia sobre o banco de coral. A maior parte deles eram havaianos, e eles sabem surfar muito bem suas ondas. Muitos tubos, muitos gritos, muitos aplausos fizeram parte daquela manhã, que passou sem que percebêssemos.
Ficamos por ali até bem próxima ao horário do meio-dia, quando comecei a chamar o pessoal para irmos surfar em algum outro lugar. Como as ondas estavam grande, não haviam muitas opções, teríamos que procurar algum lugar onde a ondulação se encaixasse sem ficar grande demais. Muitas vezes, quando o mar sobe muito, as ondas ficam fora de controle, e é preciso ficar na areia.
O Guigui estava com pé machucado de uma lesão que ele fez quando ainda estava no Brasil, e preferiu ficar na praia assitindo, o Thiago o acompanhou e voltei para casa com o resto da turma para irmos atrás das ondas.
Depois de percorrer vários picos, acabamos indo para Haleiwa, uma praia muito simpática, onde tem um beach park, com estacionamento, banheiro, duchas e um gramado. A praia em si, é uma pequena baia, à esquerda tem um molhe, com um canal ao lado, pois ali funciona um porto. Acho que a presença deste canal gera uma corrente constante para o leste, lado do canal, o que ajuda bastante na formação da onda, que quebra sempre no sentido contrario ao da corrente, para a direita.
Olhei o mar, não parecia estar muito grande, mas tinha uma formação perfeita, e o vento não estava atrapalhando. Resolvi cair só de calção, dispensando minha camiseta de neoprene, que protege-me de uma eventual queda nos corais.
Quando entrei na água vi que a onda quebra sobre uma bancada bem rasa, especial mente perto do canal. Enquanto remava, vi o Fábio Gouveia surfando, com todo seu estilo e refinamento, uma onda perfeita. Ele fez várias manobras, desde o outside até o inside, onde passou por mim ainda manobrando. Quando passei por cimadesta onda, a que vinha atrás estava sozinha, quebrando tubular, fiquei olhando-a e surpreendi-me quando um surfista saiu de dentro do tubo, ainda foi até a base da onda e tentou diminuir a velocidade para pegar outro tubo antes de a onda acabar. Admirei aquela cena com um sorriso no rosto.
Assim como todas as outras ondas havaianas, Haleiwa também tem seus truques, a correnteza retira, constantemente, os surfistas do lugar certo onde a onda quebra. É preciso remar o tempo todo, mas não muito, para se manter no lugar certo. Haviam vários surfistas na água e estava difícil pegar uma onda. Resolvi remar um pouco mais para baixo do lugar onde quebravam as maiores ondas, afim de pegar uma onda intermediária. Assim que posicionei-me, entrou uma direita perfeita, remei bem forte e fui ficando para trás dela, mas antes de perdê-la, coloquei mais força nos braços e entre atrasado nela. Assim que fiquei em pé, segurei um pouco a prancha no alto da onda, e vi a crista da onda quebrar sobre mim. Lá de dentro do tubo, pude ver um outro surfista que remava na onda me olhando, antes de sair, outra parte da onda quebrou tubular, deixando-me um bom tempo no tubo. Ainda dei uma rasgada, e depois daquela onda nem precisava surfar mais, um tubo seco é tudo que um surfista pode querer.
Remei lá para fora, e depois de um tempo o Renan aproximou-me de mim dizendo:
- Cara, peguei uma onda e rodou um tubão, mas eu não tive a manha para poder surfá-lo. Se eu soubesse teria sido irado.
Contei para ele do tubo que tinha acabado de surfar. Ficamos ali remando, tentando novamente posicionar-mos no lugar certo. Logo em seguida, depois de, mais uma vez, tentar surfar as ondas da série, remei para baixo do pico, entrou uma onda menor, mas mais seca, por quebrar mais em cima da bancada.
Desci até a base dela, ela formou um bowl na minha frente, projetei a prancha para frente com força, pensando em manobrar, mas antes disso percebi que ali tinha um tubo, e lembrei-me da frase do Renan. Então, virei o bico para frente, ao invés de para o alto, caso fosse manobrar, a onda rodou por cima de mim, mas lá na frente. Achei que não fosse sair, mas continuei dirigindo dentro do tubo, e quando percebi o sol brilhava sobre mim, eu tinha saído seco, mas um vez. Podia ter ido direto para a areia, mas fiquei ali mais um tempo, vendo meu primo surfar, conversando com ele e com o resto da turma.
Quando fomos embora já passava das 15h, passamos em casa para comer alguma coisa, mas como o Guigui e o Thiago não tinham voltado, resolvemos ir até Pipeline ver o campeonato e buscá-los. Assim que chegamos na praia, vi o mar tomado de gente. A competição tinha se encerrado por aquele dia, aqui em Oahu há uma lei que determina que as competições devem acabar às 16h, e a quantidade de surfistas dentro da água era ridícula. Eu nunca havia visto tanta gente junta dentro da água. Mesmo assim, decidi surfar o final da tarde. Convidei os meninos, apenas o Guigui se habilitou. Viemos correndo para casa, o Jadson, que tinha ficado por aqui, resolveu ir junto. Quando conseguimos chegar na beira da praia com pranchas, leashs e tudo mais, o sol já estava quase se pondo. Corri para dentro do mar, sem nem pensar na quantidade de surfistas que disputavam cada onda. A crowd estava inacreditável, para remar tinha que tomar cuidado para não bater em ninguém.
Peguei duas ondas para Backdoor, no susto. As duas ondas entraram, e enquanto todo mundo remava, vi que ninguém estava indo para a direita, virei o bico para a areia no último momento, desci ambas ondas um pouco atrasado. Nenhuma delas teve tubo, e saí logo em seguida. Remando forte para fora, porque ser pego embaixo do pico de Backdoor é a pior coisa que pode acontecer, é muito raso ali.
Surfei uma esquerda pequena, com um tubo, para sair do mar. Assim que cheguei na areia, vi que um grupo de pessoas se aglomeravam na frente de backdoor. Eu já imaginava que alguma coisa séria tinha acontecido, alguns salva-vidas corriam para lá, e um tempo depois surgiram bombeiros e paramédicos. Ouvi uma menina comentando que tinha sido um bodyboard que tinha pegado uma esquerda em Off The Wall, e a onda havia explodido sobre a bancada rasa, com ele dentro. Foi o acidente mais feio que aconteceu aqui até agora. O Jadson foi lá e voltou dizendo que ele havia cortado a cabeça de um lado ao outro, mas que estava vivo.
Quando comprei meu capacete para surfar em Pipeline/Backdoor, todos ficaram achando desnecessário, mas fui obrigado a chamar a atenção de todos naquela hora de que segurança nunca é demais. Saí mos da praia chocados com tudo aquilo.
Em casa fiz um risoto de tomates secos, aprovado por todos, inclusive quase faltou comida. Os meninos continuavam no fuso brasileiro, e dormiram logo em seguida.

O atraso

Desde que os meninos chegaram a casa ficou cheia e não houve mais sossego por aqui. Hoje faz 10 dias desde que eles desembarcaram, e é a primeira vez que fico sozinho em casa. Aproveito o tempo para relatar um pouco das memórias dos dias passados.
O incrível é que eles chegaram com todas suas pranchas, malas e agitação, mas trouxeram consigo muitas ondas. Surfamos todos os dias, e o ditado sobre esta ilha se fez valer: o Hawaii tarda, mas não falha.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

10/1 - A maior onda da vida

Acordei, e o Julião já estava na sala tomando seu café. Ele já tinha ido ver o mar, mas falou que não teria como surfar, porque tinha um compromisso. Se fosse para cair, teria que ter ido bem cedo, e já eram quase 8 horas.
Comi alguma coisa, chamei o Cau e fomos ver o mar. As ondas estavam bem grandes, talvez com algumas séries chegando à 18 pés. Havia sol e o vento soprava na direção certa. Ficamos ali apreciando o espetáculo, vendo os surfista descerem aquelas pequenas montanhas de água. Logo em seguida, chegou o Bruno e a Sabrina. Haviam muitos fotógrafos na praia, curiosos, surfistas passando com suas pranchas gigantes.
Foi me dando um frio na barriga, uma adrenalina correu o corpo enquanto olhava tudo aquilo. Eu sabia que queria surfar aquelas ondas, mas não tinha o equipamento necessário. Ficava o tempo todo falando para o Cau que se tivesse um leash grande, aquela cordinha que fica presa no surfista e na prancha, eu entraria no mar. Isto porque o Júlio já tinha me dito que me emprestaria uma prancha para eu surfar, mas meu maior leash era de 10 pés, pequeno para aquela condição.
Voltei para casa e disse ao Júlio que queria cair:
- Cara, está um dia bm pra entrar, Lucas.
- Mas eu não tenho leash, Julião.
- O ideal é você não precisar do leash, mas eu acho que tenho um aqui no carro.
Pegamos o leash, que pareceu-me ser do tamanho do meu:
- Ó, pode pegar minha prancha, mas se quebrar são U$300, viu?!
- Ok. Pode deixar que não vai acontecer nada.
- Entra lá, vai devagar e desce umas ondas. A condição está muito boa.
Voltei para a praia de Waimea. O Bruno e o Cau agora estavam mais próximos da areia. É que bem ao lado do canto leste da praia, onde os surfistas entram e saem do mar, passa um estrada. E a maior parte dos que ficam assisitindo ou registrando o surf, ficam na beira da estrada. Perguntei se as condições continuavam as mesmas:
- Cara, acho que está um pouco mais demorado, mas tem mais gente na água. – Disse o Bruno.
Ficamos olhando a movimentação de entra e sai de dentro do mar. Muita gente já estava na beira da praia, muita gente chegando, e a cada surfista que passava aumentava minha vontade de surfar. O Bruno comentou que a entrada ali é uma tarefa difícil, mas que sair do mar é ainda mais complicado. Há um corrente muito forte, que puxa os surfista para o lado oeste da praia, onde está o Shorebreak, uma onda muito forte, que quebra no raso, e é surfada por bodyboarders insanos.
Depois de um certo tempo, vimos o surfista gaúcho Vinícius Fornari sair do mar. Fui até a areia falar com ele:
- Daí, meu, como estão as ondas lá?
- Cara, estão perfeitas. Minha primeira onda foi muito boa, era grande.
- Eu quero muito entra aí, mas não tenho um leash grande, só consegui a prancha.
- Pega este aqui, depois você me devolve. Não é meu também, mas acho que não tem problema.
- Sério? Vou querer ,sim.
Assim que ele começou a me mostrar o leash, vi que não era muito grande e comentei com ele:
- Mas que tamanho tem esta cordinha?
- Ah, acho que é de 10, talvez 15 pés.
- Pô, está parecendo a minha. Eu tenho uma de 10 pés.
- Ah, ô Luquinhas, então o que você está esperando, meu? O mar está perfeito, não dá nada cair com este leash.
- É, né!?
- Claro, meu. Entra aí, você vai se amarrar.
Era o incentivo que eu precisava. Na verdade, estava querendo um parceiro para não entrar ali sozinho na minha primeira vez, mas pelo jeito teria que ser assim. Passei pelos guris e avisei que estava indo em casa buscar a prancha. Fiz tudo o mais rápido possível, não queria perder aquela vontade que estava em mim.
Comparei meu leash com o do Júlio, eram do mesmo tamanho. Levei o meu, por parecer ser um pouco mais novo. Voltei correndo para a praia, o Cau e o Bruno estava na areia, tiraram umas fotos. Coloquei a tão falada cordinha no tornozelo, olhei para dentro do mar e esperei a hora certa, quando não entra nenhuma onda, e corri para dentro do mar. Pulei na água e remei com força, mas logo uma onda quebrou a minha frente, soltei a prancha, passei por baixo dela. Puxei-a de volta pra mim e continuei remando lá para fora.
Até chegar ao point, leva-se algum tempo, e nestes poucos minutos minha emoção estava à flor da pele. Ficava pensando que eu estava remando para Waimea, a maior onda de Oahu. Fiquei mentalizando os drops que eu faria, as ondas que iria remar. Além disso, quando estava quase chegando lá fora, entrou uma série, e foi lindo ver os surfistas descerem aquela água toda, que se movimenta com uma velocidade impressionante depois que atinge a bancada profunda que fica quase na frente do costão.
Como sempre acontece comigo, tive sorte no início da session. Cheguei lá fora, vi alguma ondas quebrando, me posicionei um pouco pra dentro do pico, mas não demais. E assim que entrou um série maior, virei a prancha e comecei a remar, vi que a onda tinha força o suficiente para me levar de onde estava. Acontece quando a condição atinge este tamanho, você precisa começar a remar bem antes de a onda chegar, para que quando ela chegue até o surfista, ele tenha uma boa velocidade e consiga descê-la sem ficar pendurado na crista da onda, o que proporciona um caldo pesado. Assim que aquela massa de água chegou até mim, senti que ia dar para descer, mas ouvi um grito de alguém que estava entrando também nela. A onda de Waimea, pelo seu tamanho, e porque a única manobra é o drop, é o único lugar do North Shore onde é permitido descer mais de um surfista na onda. Eu, inclusive, achava que os surfistas nem gritavam pelas ondas ali. Na hora em que ouvi aquilo, não tinha como voltar atrás, se puxasse o bico, certamente seria sugado, então dei mais algumas remadas e fiquei em pé. Olhei para baixo, e era uma ladeira de água, desci reto, com velocidade e segurança, só quando cheguei na base, virei o bico para minha direta e fiz o bottom turn. Passei por uma certa quantidade de espuma e sai no canal. Celebrando, sorrindo e com vontade de gritar. Nossa, acabei de fazer uma onda em Waimea!
Fiquei intrigado com aquele grito, até preocupado, porque descer ondas de havaianos pode significar um problema enorme. Além disso, quando olhei para o rastro da onda que tinha acabado de surfar, vi que o surfista que tinha gritado estava no meio da água branca produzida pela espuma, e que nadava em direção à sua prancha, um pouco distante dele. Achei que seu leash tinha estourado. Vi que ele chegou na prancha antes da onda seguinte quebrar, e fiquei mais aliviado, enquanto remava para fora, sem olhar para trás.
Dias depois, fui saber que aquele é o único surfista que grita quando vai entrar numa onda, ele não gosta que outros surfistas desçam com ele. E, na verdade, seu leash não havia estourado, ele simplesmente surfa sem este acessório. Por sorte minha, ele nem falou nada quando voltou ao outside, ou não me reconheceu.
Depois disso, fiquei mais à vontade no mar. Alguns brasileiros que estavam lá fora, até elogiaram o tamanho da onda que eu acabara de pegar. Ainda peguei outra onda grande, antes de pegar a terceira, e menor, para sair do mar.
Porém, a coisa que mais me chamou a atenção neste dia, foi a presença de uma surfista no line up, dividindo um espaço que é dominado pelos homens. Na realidade, nem sei se antes dela outras mulheres surfavam ali. Seu nome é Maya Gabeira, e ela é uma brasileira big rider, a menina é muito destemida, e foi dela a maior onda que vi enquanto estive dentro d`água. Foi muito legal ver uma mulher chamando a atenção de todos por sua habilidade e coragem. Toda vez que ela pegava uma onda, ao remar para fora, era elogiada pelos demais surfistas. Eu, como grande admirador da força das mulheres, fiquei bastante impressionado e feliz por ela.
Na hora em que resolvi sair do mar, entrou uma série enorme, e com muitas ondas. Elas não chegaram a quebrar em cima de mim, pois estava no canal, mas é necessário remar para o canto leste da praia para se sair do mar, por causa do Shorebreak. Só que com ondas enormes vindo sem parar, não havia como remar para aquele canto. Inclusive enquanto remava para fora, vi dois surfistas remando para dentro do mar, como se estivessem entrando naquela hora, mas eu os havia visto lá fora, sabia que estavam querendo sair. Inclusive um deles era o tal local que gritou na minha primeira onda, o outro era um curitibano, que disse-me:
- Cara, olha a hora que fomos inventar de sair. Acho que vou remar de volta lá pra fora.
Deixei que ele passasse por mim e fui atrás do havaiano, mais velho e mais experiente. Quando a série passou, começamos a remar forte em direção ao canto da praia, achávamos que daria para pegar um espuma para sair do mar. Porém, a quantidade de água que estava ali era impressionante, parecia corrente de rio, e carregava-nos, aos poucos, para o canto contrário ao que queríamos ir. Eu remei muito forte, foi mais cansativo aquele momento que todo o tempo que estive dentro do mar, surfando e vendo aquelas ondas gigantes. O meu amigo já estava quase na beira, quando ouvi pelo alto-falante dos salva-vidas, que eles diziam alguma coisa sobre nós para um jet-sky, que estava no canal cuidando da segurança dos surfistas. Ele logo se aproximou de mim, mas já estávamos tão próximos da zona de impacto, ou ele achou que já estava tudo bem, que afastou-se rapidamente, pude vê-lo indo conversar com o curitibano, que à esta hora remava para fora.
Logo em seguida o havaiano tomou umas ondas na cabeça, mas saiu do mar. Vi que estava bem próximo da praia, e era minha chance de sair. Se continuasse lutando contra aquela correnteza, provavelmente seria arrastado até o quebra-côco. Virei o bico, antes voltado para o canto, em direção à areia e remei o mais forte que pude. Quando voltei a olhar para fora, uma onda formava-se sobre mim, só deu tempo de soltar a prancha e mergulhar. Ela me chacoalhou um pouco, e por sorte, não vieram outras atrás. Peguei a prancha, remei numa onda menor, não para entrar, mas para ser arrastado pela força dela. Depois apenas deixei que uma espuma me levasse até a beira e pronto, estava com os pés na areia. Foi uma sensação de alívio e alegria. Tudo tinha dado certo, e eu havia surfado as maiores ondas de minha vida.
Caminhei pela areia e encontrei os guris, o Bruno disse-me que o mar tinha crescido depois que entrei e que achava que tinha filmado uma onda minha. Ele ainda não me mostrou, mas tomara que tenha feito o registro.
Depois de tanta emoção, fui pra casa. O Júlio chegou em casa e disse-lhe que havia surfado, ele ficou feliz e estava com muita vontade de cair também, mas o princípio de um resfriado o estava atrapalhando. Enquanto preparava o almoço, o Jadson incentivou o Júlio a surfar, pois ele queria também pegar aquelas ondas. O Julião acabou cedendo e foi acompanhar o menino. Disse que iria levá-lo até o outside e surfar só uma onda. E foi bem isso que ele fez, logo em seguida, voltou para casa. O Bruno saiu para filmar a ação e eu falei com o pessoal que estava em Porto Alegre, preparando um jantar na casa da Naiana. É muito bom ter amigos, e nestas horas damos um valor especial à tudo isso. Deu uma saudades de casa, mas também um vontade enorme de aproveitar ao máximo isso que é bem diferente de minha vida cotidiana.
No resto do dia, apenas descansei e fui ver se tinha alguém surfando em Pipeline. Por mais extremas que estavam as condições, haviam alguns surfistas aventurando-se por lá. As ondas nem estavam muito boas, tinha muita corrente e poucos tubos.
No início da noite, fui buscar os meninos no aeroporto. O vôo atrasou e fui até uma loja da Starbucks, aqui existe uma em todos os lugares. Quando sentei num banco, fiz isso entre duas pessoas, eles não estavam juntos, mas comecei a conversar com a menina, e depois com o cara, que lia um livro sentado em dhyánásana. Não é que ambos praticavam Yôga? Ele é uma australiano que mora em Bali e treina equipes de surfistas dando aulas de Yôga, e ela é chef de um restaurante Vegan no Arizona. Conversamos bastante e passei o site da Uni-Yôga para ambos, disse-lhes que em breve todo material seria publicado em inglês. Ele ainda disse-me para aparecer em Bali para visitá-lo e dar algumas aulas.
Quando desci para o saguão de desembarque, os meninos estavam saindo do vôo. Na verdade, além do meu primo, só conhecia um deles, o Guigui. Os outros dois são o Renan e o Thiago. Tirando o Ícaro, os três são de Balneário Camboriu. Quando eu lhes disse que eles tinham chegado no maior dia desde que eu cheguei aqui, o Icaro perguntou:
- Tá, mas que tamanho tem o mar?
- 15, talvez 18 pés.
Todos se olharam, rolou um silêncio. Achei engraçada aquela cena, mas os tranqüilizei, pois o mar iria baixar para o dia seguinte.
A casa ficou cheia quando eles chegaram, 8 pessoas, todas as camas ocupadas. Achei que iria rolar uma movimentação, mas o moleques estavam tão cansados que chegaram e foram dormir, alguns até sem banho (rsrsrs). Ainda perguntei se queriam acordar bem cedo na manhã seguinte, mas eles preferiram acordar ao natural, depois de 30 horas de viagem, não é fácil estar disposto para o surf.

sábado, 12 de janeiro de 2008

9/1 - The Real Hawaiian Power

Acordei às 5:10h, ainda era noite e dei inicio ao meu sádhana, com a intenção de mentalizar bastante, deixar o corpo solto e a consciência bem lúcida para o que estava por vir. Foi uma prática difícil de ser feita, porque eu não aparava de pensar nas ondas, imaginar os tubos, meus drops. Eram 5:50h quando acabei minha meditação e tentei acordar o Cauê pela primeira vez, ele nem respondeu. Fui até o Jadson e chamei-o, ele abriu os olhos, me olhou, e tornou a deitar a cabeça. Comecei a fazer uma vitamina, quando já estava pronta, resolvi dar uma nova chance aos dois. Chamei primeiro o Cau, que disse-me:
- Mas, meu, que tipo de surfista tu acha que é? Vai surfar de noite? – Arrumou-se entre o cobertor e nem levantou a cabeça.
Saí do quarto rindo e cutuquei o Jadson, desta vez ele levantou a cabeça e o tronco. Sentou na cama, e ficou me olhando.
- Vamos nessa, meu!
- Tá, tá. Estou indo, peraí.
Comemos um pouco mais, coloquei as quilhas na minha 6’9’, a única prancha que ainda não tinha sido estreiada aqui no Hawaii. Resolvi levar também minha 7’2”, caso o mar estivesse maior do que imaginávamos. Jadson também trouxe duas pranchas. Tive que incomodar bastante para sairmos de casa logo, já eram quase 6:20h. Antes de sair definitivamente, ainda voltei ao quarto:
- Cauê, tua última chance. Você vai ficar!
- Tá!
Surpreendi-me com a resposta:
- Vai ficar, então?
- Vou.
- Abraços.
No carro só toca o cd de mantras eletrônico que eu trouxe, e a faixa preferida do Jadson é Jaya Guruji Ôm Dê. Ela foi nos acompanhando até estacionarmos e irmos olhar o mar. Já havia uma enorme movimentação em Pipeline, vários carros estacionados, as cuas Volcom Houses estavam com as luzes acessas, surfistas saindo de dentro do portão da casa mais antiga, indo direto para dentro do mar. Encontrei o Paulo Barcelos olhando o mar:
- Viu, moleque, te disse que não precisava me chamar. – Disse-me rindo.
O mais impressionante foi olhar para o mar e ver que já tinham alguns surfistas dentro da água, principalmente bodyboarders. Ainda não era dia, Havia apenas aquela claridade, de quando o sol está quase nascendo, e aqui ele ainda nasce atrás de alguns morros, no leste. Portanto, estava quase escuro. Um brasileira que estava olhando o mar disse-nos:
- Eu já vi os caras pegando uns tubos, quase no escuro.
Loucura total! Perguntei-lhe sobre o tamanho do mar, ela não sabia dizer, mas haviam ondas com um certo tamanho, 6 a 8 pés. Muitas fechavam, mas estava já era o Pipe maior que tinha visto. Ainda perguntei para o Paulo:
- Com que prancha você acha que caio, 6’9” ou 7’2”?
- Cara, esta informação não sei te dar, só uso uma prancha, né!? - Ele é bodyboarder – Mas vem com a que tiver mais remada, isto vai estar um inferno.
Voltamos para o carro e resolvi arriscar com a prancha menor mesmo, ela tem uma boa borda, o que proporciona uma remada mais eficiente. Nós dois precisávamos passar parafina nas respectivas pranchas, e resolvemos fazer isso na beira da praia. Sentado na areia, olhando aquelas ondas barulhentas e poderosas quebrando, meu corpo tremia um pouco. Ainda não sei se pelo frio das roupas molhadas, pela emoção de surfar Pipe, ou pela adrenalina. Talvez um pouco de tudo. Eu sabia que não podia ficar olhando demais, queria entrar logo no mar. Ainda fiquei indeciso sobre a prancha, pensando em ir buscar a maior, mas o Jadson logo me chamou e fui com minha verde-amarela (são as cores dela) mesmo.
Assim que entrei na água, acalmei-me. Parece que tranqüilizo-me quando estou mais perto das ondas, vendo-as de uma forma mais real. Remando para o pico, vi que haviam, mais ou menos, 50 pessoas ali, e nem tinha amanhecido de verdade.
Tentei me posicionar no meio daquela multidão, o que não é nada simples, especialmente porque eu nem sei direito onde é que a onda quebra. Logo em seguida, entrou uma onda menor, mas indo quebrar num lugar onde havia menos gente. Remei nela, gritei, ninguém entrou comigo. Segurei na borda, direcionei o bico bem para a esquerda e vi um lip azul e grosso rodando lá na frente, eu estava entubando em Pipeline, continuei dirigindo a prancha, e sai seco de dentro dele. Nossa, aquilo foi muito emocionante. A onda não era muito grande, não havia ninguém com quem celebrar, mas eu quase dei um grito de alegria! Contive-me, comemorei comigo mesmo, ri sozinho e voltei remando para o pico. Ainda vi o Jadson pegando sua primeira onda, também um tubo seco, depois do qual ele ainda manobrou, distanciando-se de mim.
Os havaianos posicionam-se no melhor lugar para se surfar a onda, é como se eles estivessem sozinhos no pico, ninguém atreve-se a aproximar-se de onde eles ficam. Existe um respeito muito grande dentro da água, e eles utilizam-se bem disso. Num determinado momento, o Kala Alexander, uma espécie de cherife da onda, gritou com todo mundo:
- Hoje é um dia muito perigoso para alguém se machucar. Não pode remar na onda de ninguém. Se alguém entrou na onda, nem reme.
E todo mundo leva muito à sério este tratado que existe, toda vez que alguém realmente rema, ninguém mais nem tenta entrar na onda.
Ainda peguei mais algumas ondas, 7 no total, sendo que fiz um outro tudo irado. Fiquei lá dentro e na hora de sair, ela quase fechou, mas direcionei a prancha bem para cima e sai do barrel, feliz, obviamente. Houveram duas ondas que só corri, sem tentar entubar, mas em pé olhando aquela onda se desdobrar na minha frente.
Além disso, vi cenas incríveis, destas que eu muito já admirei em fotos e vídeos. Agora eu estava ali, vendo tudo ao vivo. Os tubos são gigantes, os drops são atrasados, e a velocidade da onda é incrível. Bom, sobre a força da onda, é algo que nem tenho parâmetros para descrever. Ela quebra com um power enorme, fazendo um barulho assustador toda vez que explode sobre a rasa bancada.
Antes das 9h, foi anunciado que o campeonato começaria em breve. Estamos em um período de espera, que começou dia 3 e vai até o dia 12, para a realização de um campeonato só para convidados, em sua maioria havaianos, chamado Backdoor Shootout. Houve uma solicitação para que todos deixassem a água, o que demorou um pouco, levando um havaiano a ficar indignado, xingando todo mundo.
Saí do mar com um enorme sorriso no rosto. Tinha feito boas ondas, sem erros e pegados dois tubos em Pipe. Para mim já estava super bom. Ainda fiquei olhando as ondas quebrando com pouca gente lá fora, é um lugar realmente incrível. Nunca vi nada tão intenso.
O Jadson saiu em seguida, e ficamos olhando o inicio do campeonato, mas logo fomos para o carro. Queríamos voltar para casa, comer alguma coisa, e surfar em algum outro lugar. Passamos por Sunset e Rocky Point para saber onde estava bom, além de ali. Sunset pareceu a melhor opção, é um lugar que funciona muito bem com esta direção de swell, northwest.
O Cau já tinha saído de casa, e o Julião passou ali para pegar outra prancha, estava indo para Sunset. Ficamos cerca de uma hora em casa, antes de rumarmos em direção à praia. Acabei estacionando em Pipe mais uma vez, enquanto descansávamos, iríamos aproveitar para ver o surf dos melhores surfistas naquela onda. Encontramos o Paulo Barcelos, sentamos ao seu lado. Ele ficou falando sobre seu conhecimento da onda, mostrando-nos as boas, as fechadeiras, as impossíveis, e aqueles que eram “só para bodyboard”. O mar não parava de crescer, e a quantidade de água que se movimentava ali fora era absurda, nunca tinha visto nada parecido. Era como se pudéssemos ligar uma máquina de lavar gigante e ficar observando o movimento das águas.
Logo depois o Bruno apareceu e vimos o Cau sentado na beira da praia. Ondas enormes e tubos grande foram surfados, apesar de as séries estarem bem demoradas. Por mais incrível que pareça, as ondas não paravam de crescer. Se pela manhã as maiores tinham 8 pés, agora já passam dos 10 pés, certamente. Ficamos ali até o início da tarde, eu estava afim de surfar mais, de ver como estavam as outras ondas. Disse que iria conferir Sunset, o Jadson veio comigo.
Quando estacionamos o carro, vimos o Júlio, e fomos falar com ele. Ondas enormes quebravam lá fora, ele disse-nos que foi a maior série do dia, e que tinha varrido todo mundo do outside. Permanecemos ali olhando o mar por algum tempo. Fiquei dizendo que deveríamos surfar, a adrenalina já estava correndo por dentro de mim. Decidimos voltar para casa, o Júlio tinha que pegar a prancha dele. Ele tinha surfado ali pela manhã, mas deixou a prancha em casa.
Quando chegamos em casa, o Júlio e o Jadson sentaram-se, um na frente da televisão e o outro, do computador. Estava louco para sair logo dali, mas, por insistência do Júlio, fui até Waimea Bay ver se estava quebrando um onda chamada Pinballs. Na verdade, é a mesma onda de Waimea, mas quando quebra até 12 pés, ele chama desta forma. Fui de bicicleta, mas nem fiquei olhando muito haviam poucos surfistas na água e parecia estar bem demorado.
Voltei pra casa e fomos para Sunset. Estacionamos os carros, e enquanto nos arrumávamos, Julião falou:
- Ó meninada, vamos entrar com calma. Sem ansiedade. Vamos remar lá pra fora tranqüilos e pegar umas duas ondas. Sem afobação, viu, Lucas.
Ouvi tudo atento, o Jadson também ficou sério, concordando com tudo. Ele estava com uma prancha bem pequena para aquelas condições. Eu ia surfar com minha maior prancha, um 7’6”.
Assim que chegamos na beira da praia, o Júlio olhou para o mar, que estava enorme:
- Cara, não tem mais ninguém no mar! Será que devemos cair?
- Pô, Julião, quem sabe é você.
- Ah, vamos lá pegar duas ondas e sair, está muito over este mar.
- Quem sabe a gente não cai, então?
Nesta hora o Jadson me disse para não falar nada, iríamos cair agora que estávamos ali. Enquanto eu passava parafina na minha prancha, os dois foram para dentro da água. Demorei um pouco mais e quando entrei eles já estava quase no outside. Para entrar na água já era preciso um certo esforço, havia ondas enormes quebrando bem na beira. Passei por elas e remei para fora.
Quando estava quase chegando lá fora, vi que, além dos meus amigos, haviam três surfistas, mas eles remavam para baixo do pico, como se quisessem ir para o inside da onda. Na realidade, eles estavam querendo sair, pois as condições estavam realemente fora de controle ali, mas na hora nem percebi isso.
Vi que o Júlio e o Jadson estavam mais para fora, remando para o lado oeste, à esquerda que quem rema lá para fora. Sunset é um lugar onda as ondas movimentam um enorme de água, sempre quebrando para a direita, e tem um canal profundo. O que facilita a chegada ao outside, mas dificulta o posicionamento dentro da água, as ondas quebram em vários lugares, nunca há só um pico definido. Neste dia, então, não havia nada definido.
Assim que cheguei próximo aos dois, eles remavam em direção ao canal, e eu já estava mais dentro do canal, apenas continuei remando para minha esquerda. Acontece que nesta hora vi uma série enorme entrando, marchavam ondas que eu nem podia calcular o tamanho.
Quando a primeira chegou, eu vi que tinha, no mínimo, 12 pés. Passei por cima dela, sempre olhando para a direita, para ver meus amigos. Na segunda onda, que tinha o mesmo tamanho da primeira, remei, pois sabia que atrás viriam ondas maiores. Não consegui entrar na onda, mas ainda estava, na minha concepção, bem posicionado, quase no canal.
Assim que a segunda onda passou, olhei para trás e tive um visão assutadora, a terceira onda entrava bem de oeste, ou seja, bem em cima de mim. Os dois passaram pela onda sem que ela estivesse quebrando, mas em cima de mim ela explodiu. Soltei a prancha, peguei o máximo de fôlego e desci o máximo que pude. Sabia que iria girar muito, e foi o que aconteceu. Ainda consegui pegar um pouco mais de ar, antes que ela me puxasse para baixo uma segunda vez. A quarta onda da série também quebrou na minha frente, e eu mergulhei, tentando ser levado ao máximo, para não ficar na zona de impacto, onde os ondas quebram. Na onda seguinte, consegui pegar a prancha e já estava mais distante de onde ela explodiu. Passei por baixo e virei o bico para a areia logo depois. Remei feito um louco, e toda vez que olhava para trás, via mais ondas enormes entrando, por sorte estas entravam mais de norte, indo quebrar longe de mim. Queria também saber como estavam os dois lá fora, mas não os via. Quando cheguei no inside, peguei uma pequena, para o dia, e surfei-a o máximo que pude. Depois remei o mais forte que pude, e fiquei muito aliviado quando toquei meus pés na areia.
Já fora do mar, vi que o Júlio estava saindo mais para o meio da praia. Depois ele me contou que tomou uma série enorme na cabeça, foram umas dez ondas enormes, que o arrastaram para a beira. O Jadson ainda estava lá fora, mas já mais no inside, onde pegou uma para se aproximar mais da beira.
Quando nós nos encontramos no estacionamento, riamos e celebrávamos que nada de mais sério havia acontecido. Estávamos muito adrenalizados, tinha sido muito intenso aqueles poucos minutos em que estivemos dentro do mar. Acho que as risadas eram também de nervosismo. Cada um tinha passado por uma experiência diferente, mas as três eram de um sufoco enorme. O Júlio chegou a dizer que nunca tinha passado um terror tão grande aqui, e ele já mora aqui há 17 anos. Ambos me xingaram um pouco, pois eu que havia incentivado o surf ali:
- Pinballs deve ter altas e a gente passando este terror aqui, Lucas. – Disse-me o Júlio.
- Poxa, mas eu sou novo aqui. Eu olhei e não achei bom, né!
Júlio foi embora, e eu e o Jadson voltamos para Pipeline, ver a ação dos locais por lá. Quando chegamos na beira da praia, eu simplesmente não conseguia acreditar que havia gente surfando aquelas ondas, já chegavam há 15 pés, o que significa que, olhando-se de frente, as faces tinham 10 metros, talvez mais. Toda vez que alguém descia umas daquelas massas de água, a praia toda silenciava. Estava emocionante demais. Ficamos por ali vendo tubos insanos sendo surfados. Em dias como estes, há uma seleção enorme de qual onda surfar, o que torna cada drop, cada tubo, mais precioso.
Voltamos para casa, e o Cau estava em Waimea. Fui lá ver a maior onda de Oahu funcionando. É realmente um espetáculo da Natureza, o poder do oceano mostra-se ali com toda sua grandiosidade. O mais incrível é que existem seres humanos que vão lá com suas pranchas, interagir com aquele movimento de águas.
A onda quebra bem longe a praia, diferente de Pipeline. Isso fez com que a intensidade de Pipe me tirasse dali. Falei para o Cau que queria ver mais um pouco do surf por lá. Eu sabia que eles iriam acabar o campeonato antes do final do dia, e vários surfistas entrariam no mar para enfrentar um big Pipe.
Foi exatamente isso que tinha acontecido, quando chegamos na praia vimos varias pranchas tentando surfar ondas enormes e pouco perfeitas. Estava tão grande, que nem os tubos, maiôs característica desta onda, estavam quebrando. Mesmo assim ficamos assistindo a movimentação por ali. Teve uma série que tinha tantas ondas, e quebrou tão longe de onde todos estavam, que praticamente todos os surfistas foram expulsos do mar. Sorte deles.
Quando cheguei em casa, o Júlio disse-me que no dia seguinte estaria maior, e ele iria me chamar para surfarmos Waimea. Ele tinha uma prancha grande e me emprestaria. Pedi que me acordasse cedo, e fui para o quarto logo em seguida.
Na hora em que me deitei para dormir, fechava os olhos e lembrava daquela onda quebrando na minha frente, chamei o Cauê para conversar um pouco com ele, e compartilhar o que tinha vivido. O Cau disse-me que estava no quarto com o Jadson, e o menino dizia que iria ter pesadelo, que tinha sido intenso demais. Falou que quando viu a onda quebrando em cima de mim, olhou para trás e pensou: Deus, cuida do Lucas!
Dormi sabendo que tinha vivido um dia de verdadeiro surf no Hawaii, e era apenas o primeiro.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

8/1 - Começou a subir

O dia começou com sol, pouco vento e nada de nuvens, mais uma vez. São os primeiros dias que não chove, desde que chegamos aqui. Isto me deixou muito feliz, com vontade de aproveitar mais a praia, o mar e as ondas, que continuavam baixas.
Fomos até Off The Wall, e a água estava de um azul bem clarinho e transparente. Via-se o coral por debaixo das pequenas, mas tubulares, ondas que quebravam. Aquilo me empolgou para surfar ali mesmo. Voltei para casa e chamei o Jadson, o Cau disse que iria de bike.
O surf não estava muito bom, mas já dava pra sentir a potência daquelas ondas. Acabei remando para Pipeline, onde vi as cavernas que ficam abaixo de nossos pés. Peguei poucas ondas, mas foi bom surfar ali mais uma vez. Minha saideira foi para Backdooor, mas sem tubo, apenas manobrando. Da areia, vi o Cau, que estava em Off The Wall. O Jadson saiu logo em seguida, depois voltou para dentro do mar para avisar Cauê que estávamos indo embora.
Em casa, o Jadson ficou insistindo para irmos para o centro comprar sues eletrônicos, mas eu tinha que fazer as compras de comida para a casa. Acabei optando pelo dever ao lazer. Fui com o Júlio no Cotsco, desta vez com uma lista na mão, para agilizar as compras e voltarmos com tempo de darmos uma queda no final de tarde.
Quando voltei o Cau tinha ido buscar emprego em Haleiwa,e fui com o Jadson para Rocky Point. No caminho de volta para casa já deu para ver que o mar tinha subido, mas chegado na praia foi impressionante perceber como as ondas crescem rápido por aqui. Ali já tinha uns 5 pés de onda, bem diferente da manhã, quando não passava de 2 pés. O crowd era intenso, talvez pelo fato da temporada estar muito fraca, talvez também porque Pipeline estava fraco. O fato é que haviam vários prosurfers havaianos na água, e quando eles aparecem, sempre pegam as melhores ondas.
Todas as ondas que peguei fecharam, ou alguém entrou na minha frente. Aquele foi o mar mais difícil que surfei aqui, no quesito surfar uma onda boa sozinho. Remei para todos os lados, tentei ir em onda pequena, grande, para a esquerda, para a direita, e nada adiantou. Eu praticamente não surfei, só remei. Vi o Jack Johnson pegar um tubo profundo e muito bem surfado. No final da onda, que assisti de lado, saiu um spray do tubo, e ele continuava sumido, aparecendo alguns instantes depois. Muitas pessoas celebraram, de dentro e fora da água. Estes momentos fazem valer e pena estar ali, mesmo sem pegar muita onda.
Saí do mar chateado pela session que se encerrava, mas feliz, porque as previsões estavam se concretizando. Ainda lá no outside, o Jerônimo Vargas, surfista brasileiro da nova geração que entuba muito bem e é atirado em Pipe, me disse:
- Cara, e estas ondas amanhã?
- Vai entra mesmo o swell, né?
- Claro. Tem que ir para Pipe de noite.
- Tipo umas 5 da manhã?
- Eu, no ano passado, acordava neste horário e ia caminhando, chegava lá um pouco antes das 6h. Daí dá para ficar sossegado ali na beira olhando o dia clarear, antes de entrar no mar. Mesmo assim, neste horário já tem alguns bodyboarders na água.
Na areia, ainda encontrei com o Paulo Barcelos, que me disse que o dia só clareia mesmo depois das 6h:
- Chegando às 6:30h, você entra no mar junto com o clarear do dia.
- Então, ta. Amanhã passo lá para te acordar – Disse-lhe, pois ele está hospedado quase na beira de Pipeline.
- Não precisa, não. Eu já vou estar de pé.
Depois do surf, ainda levei o Jadson para comprar o seu último brinquendo, uma filmadora. Chegamos lá, sabe-se lá como, porque nem sabíamos onde ficava a loja, e ainda faltando 30 minutos para o fechamento.
Voltamos para casa com mais um equipamento para registrarmos o surf, eu comprei um tripé, pois o que tínhamos aqui está bem ruim. Já em casa avisei aos dois:
- Meu, amanhã vou acordar cedo, e não vou esperar quem ficar se amarrando. Quero acordar às 5h e sair de casa lá pelas 6h.
- Não, pode me acordar, mas tem que ver se eu abri os olhos. Se eu realmente estiver acordado, não tem erro. Quero ir, sim.
O Cauê não falou nada, mas eu iria chama-lo de qualquer forma. Ainda vimos o início de um filme, e conversei com a Naiana, que tinha acabado de dar aula para minha turma, às 7h da quarta-feira, lá no Brasil. Disse a ela que surfaria um Pipe de verdade, e ela desejou-me sorte.

7/1 - Easy day

A semana começou com um dia lindo. O sol brilhou o dia todo haviam poucas nuvens no céu, e praticamente não teve vento. Depois do meu sádhana, acordei os meninos e fomos para Rocky Point, já sabíamos que o mar estaria pequeno, então fomos para curtir mesmo.
O Jadson levou uma máscara para ficar mergulhando, o Cau foi junto. Deitei-me na areia para ler um pouco, e ficamos ali curtindo o dia de praia que ainda não tínhamos vivido.
Logo em seguido, apareceu o Sebastina Rojas, fotográfo de uma revista de surf, e convidou o Jadson para entrar. Ele aceitou de imediato. Com o mar pequeno é necessário fazer fotos de bem perto, e as manobras aéreas são muito utilizadas para este tipo de trabalho, e isso o Jadson faz muito bem. O Cau assumiu a máscara e foi lá pra fora, ver os corais sob os quais surfamos. O Bruno e a Sabrina já tinham chegado, e ela ficou me fazendo companhia na beira.
Depois de um certo tempo, comecei a enxergar umas ondinhas , e fui para dentro d’água. Não encontrei nenhuma onda boa, mas foi bom dar um mergulho. Quando estava entrando vi o Jadson dando um aéreo muito alto na frente do fotógrafo, foi irado. Ele completou a manobra, e ambos ficaram bem felizes. Tem sido uma temporada difícil para todo mundo que precisa fazer imagens de surf aqui no Hawaii.
Voltamos para casa depois de vermos as imagens que o Sebastian nos mostrou logo depois do surf. O dia estava muito agradável, e eu e o Cau fomos mergulhar aqui na frente de casa.
É incrível como a profundidade aumenta rapidamente aqui, basta nadar um pouco para fora para perceber isso. Na realidade, o que disfarça isso são os corais, mas assim que surge uma fenda nota-se que realmente estamos no meio do oceano, porque os buracos são bem fundos. Achamos um desses bem aqui na frente e ficamos ali mergulhando durante algum tempo.
Depois do almoço, não resisti e tive que tirar um cochilo, mantendo vivo o hábito do meu pai. Desde que cheguei aqui, foi a primeira vez que fiz uma ciesta, também aproveitei para descansar, pois a previsão é de que o swell cresça bastante a partir. Tudo indica que amanhã o mar começa a crescer, e as ondas atingirão seu ápice na quinta-feira, chegando à 15 pés, o que significa faces com até 10 metros
À noite combinei com o Julião de irmos no mercado comprar comida para todo mundo que vai ficar na casa. Acabei optando por trazer o meu primo e seus amigos para cá, pela localização da casa, e também porque a corretora, que já tinha me dado dois bolos, insiste em me enrolar e faltar aos encontros que marcamos.

domingo, 6 de janeiro de 2008

O início do ano!

Os três primeiros dias de 2008 foram bem difíceis por aqui. No primeiro deles eu estava tão mal que passei o dia todo deitado, dormindo e suando muito. Todo meu corpo doía, minha cabeça latejava e a sensação momentânea era tão ruim, que pensava que teria que ir embora. Pensei muito na minha cidade, na minha casa, minha cama, nos meus pais, na Naiana, e no quanto ela cuida de mim nestas horas. Tudo isso foi muito forte naquela hora, pelo fato de a doença ter me deixado muito sensível. Graças à um momento de lucidez, decidi que ia melhorar rápido, mentalizei luz verde e lilás por todo meu corpo, procurei senti-lo já forte e saudável, e isso foi importante para o inicio da recuperação.
No dia 2, fiquei bem preocupado porque o Cau pegou minha gripe, e foi a vez dele de ficar o dia todo no mesmo processo, dormindo, suando, reclamando de dor no corpo e na cabeça. Sentia-me duplamente mal, por ter lhe transmitido a gripe, e por saber exatamente o que ele estava sentindo. Fiquei em casa o dia todo. Lá fora ventava, chovia, e o sol apareceu muito pouco. Eu e o meu pimpolho tínhamos muito frio, à noite qualquer brisa nos fazia tremer.
No dia seguinte, eu já estava melhor, e ele dormiu bastante, mas no final do dia, fomos à casa do Bruno. Era seu aniversário, e a Sabrina, sua namorada, fez doces, bolos e convidou alguns amigo para uma festa surpresa. Ficamos lá por algum tempo, mas no caminho, passamos no supermercado e comprei limão e alho, lembrei destes ingredientes poderosos quando acordei à tarde. Fui na cozinha e comi um limão cru, o que me fez muito bem.
Quando voltamos para casa, fomos preparar um chá de limão, alho e mel. Porém, eu estava tão desesperado para melhorar que comi meio dente de alho cru. Tentei convencer o Cau a fazer o mesmo, mas ele não gosta de alho. Aquilo me deu um calor enorme por dentro, e, não sei se foi exatamente pelo alho, comecei a melhorar. Tomamos o chá contra nosso paladar, mas aquilo abriu nossos poros, fazendo-nos suar muito.
No dia seguinte, sentia-me muito melhor, as dores no corpo tinha parado, a cabeça já não estava estourando, a febre parecia ter sido eliminada. Apenas uma tosse muito forte apareceu. Logo pela manhã tomamos mais uma xícara do delicioso chá e ficamos mais um dia de molho. Fomos ver o mar algumas vezes, mas, para nossa sorte, foram dias de ondas bem ruins. À noite, o Cau não conseguia nem mais sentir o cheiro do alho sem que aquilo lhe trouxesse um asco. Obriguei-o a continuar com o tratamento.
Finalmente, no dia 5 acordei sentindo-me quase 100%, a única coisa que continuava me incomodando era a tosse. Decidi que iria surfar, para mexer o corpo e colocar o muco pra fora. No final da tarde fomos à Rocky Point, não estava muito bom, mas deu pra surfar algumas ondas e sentir o corpo voltando ao normal. O Cau preferiu esperar mais um dia.
Hoje, dia 6, o dia amanheceu lindo, como não tínhamos visto este ano. Um sol quente brilhava num céu azul piscina, com pouquíssimas nuvens no céu. As ondas estava pequenas, mas perfeitas porque o vento soprou terral durante quase todo dia. Surfamos em Rocky Point, curtimos um tempo na praia, fizemos uma comida em casa, descansamos e vimos um pôr-do-sol lindo em Pipeline, enquanto o Jadson surfava. Foi super animador, porque o vento não soprava forte, as ondas estavam bem alinhadas, apesar do tamanho. Condições que não tínhamos visto aqui até agora.
Desde que ficamos doentes, estamos acordando bem tarde, mas hoje fizemos um pacto de acordar cedo e surfar sem crowd amanhã. Este processo de melhoria da saúde, acabou me tirando o ânimo para escrever, mas como hoje vivemos um dia tão agradável, acho que voltarei a relatar as aventuras desta viagem.

31/12 - O último dia do ano (ou o primeiro Pipe da vida!)

Na madrugada do último dia do ano, passei muito frio, estava com um cobertor que não aquece muito, e por aqui sempre bate um vento gelado na noite. Acordei várias vezes e já nem sabia o que fazer para descansar aquecido. Fui obrigado a apelar para o rouba da coberta do Cau, o que já tinha feito na noite anterior. Comecei pelos pés, mas ele logo sentiu que estava ficando sem coberta e tratou de puxar e se enrolar mais nela. Continuei tentando, sempre com movimentos sutis, todas as vezes que ele se movia, eu aproveitava para verificar se não tinha sobrado um pedaço de cobertor para mim. Quando já era quase de manhã, o Cau abriu os olhos e me disse:
- Você está querendo o cobertor, né!?
- Sim.
E ele me estendeu sua coberta. Só depois disso é que consegui dormir sossegado.
Depois que acordamos, fomos ver o mar, que estava pequeno e mexido. Esta tem sido uma das piores temporadas dos últimos tempos. Todo mundo me diz que não é nada normal a quantidade de chuva que tem caído, a quantidade de vento que tem soprado, nem a quantidade de onda ruim que tem quebrado.
Resolvi cozinhar o feijão, que deixei de molho na noite anterior. Peguei a receita que o Dinar me mandou pela metade e fui pra cozinha. Comecei um pouco antes do meio-dia, mas só foi ficar pronto lá pelas 14h. Apesar da demora, todos gostaram muito, e nem eu estava acreditando que tinha feito aquele feijão. Além disso, encontrei uma farinha da mandioca no armário do Júlio e fiz uma farofa.
Falei com a Naiana, e lá em Ibiraquera todos estavam se preparando para a virada. Nestas horas, me dá uma vontade enorme de estar junto com os meus pais e amigos queridos. Ela disse-me:
- Vê se pensa na gente quando der meia-noite aqui.
- Eu vou pensar, aqui serão 16h.
Um pouco antes deste horário, eu e o Cau fomos até Pipeline, e sintonizei com a grande festa que deveria estar acontecendo quando bateu meia-noite no Brasil. Fechei os olhos, pensei coisas boas, amei meus amigos e fiquei bem feliz em poder compartilhar, mesmo à distância, este momento festivo.
No mar haviam as melhores ondas que vimos em Pipe, desde que chegamos. Fomos também até Rocky Point, mas não estava tão bom. Resolvemos ir para casa, pegar as pranchas e chamar o Jadson, que tinha ficado jogando:
- Eu surfo onde vocês surfarem. – Disse-nos enquanto saímos de casa.
Quando voltamos para Pipe, com as pranchas e o Jadson, o vento tenha aumentado e uma chuva fina tornava o final do dia cinza e frio. Ficamos olhando o mar por um bom tempo, passei bastante frio nesta hora. O mar tinha piorado bastante e não sabíamos se valia a pena cair. Entramos no carro, dirigimos até um outro loca, de onda podíamos ver a onda de frente. Continuava a indecisão, a chuva, o vento e o frio. Quando estávamos quase desistindo o garoto Jadson falou:
- Porra, moleque, é o último dia do ano. Vamos entrar aí e surfar de qualquer jeito. Eu tenho que agradecer pelo ano que tive, e pedir por um 2008 melhor ainda.
Acabamos seguindo seu conselho e fomos pegar as pranchas no carro. O Cauê tinha levado só sua 6’1” nova, e eu tinha levado duas, então disse a ele:
- Pô, Cau, se quiser pode cair com minha 6’5” porque vou cair com a outra.
O mar tinha um certo tamanho, e achei que a prancha dele ficaria pequena. Ele pegou minha prancha e saímos para o mar. O Jadson entrou correndo na água e eu fui caminhando devagar, curtindo aquele momento Nossa, estou entrando em Pipeline! Não era um Pipe de verdade, e o swell fazia com que as melhores ondas fossem as direitas, mas mesmo assim aquilo era especial para mim.
Ao entrar remei forte e vi alguma ondas quebrando tortas, balançadas pelo vento. Tentei me posicionar no pico, mas é bem difícil quando não se tem noção de onde a onda quebra. O Paulo Barcelos estava no mar e me deu uma orientação, falou sobre um ponto de referência que é exatamente onde a onda quebra. Por acaso este ponto fica dentro da casa do Jamie O`Brien, um surfista que tem a minha idade mas anda tão profundo nos tubos em Pipeline e Backdoor, que já é uma lenda no universo do surf. Além disso, o cara mora praticamente dentro da praia, na frente da onda masi desejada e perfeita do planeta.
A corrente estava puxando para o oeste, tirando-nos facilmente do local correto para se surfar Pipe. Acontece que ao lado desta onda está Backdoor, e logo em seguida, existe Off The Wall. Como não estava conseguindo me manter no lugar, acabei surfando duas ondas em Off The Wall, a segunda delas tinha um certo tamanho, pareceu-me que ia rodar um tubo, mas acabou fechando e tive que virar o bico para areia. Assim que a espuma me encontrou, derrubou-me da prancha,e achei melhor sair do mar.
Corri pela praia e voltei para dentro da água. Enquanto remava em direção ao outside, vi o Cau remando numa esquerda perfeita, ele ficou em pé depressa, segurou a mão na borda e desceu a onda de lado, vindo na minha direção. Esta onda deve ser surfada exatamente desta forma, pois o tubo começa desde o início e, geralmente, acaba junto da onda. Infelizmente, na onda do Cau não rolou o tubo, mas foi um momento especial, ver meu amigo surfando em Pipeline. Ele saiu todo sorridente e celebrei com ele.
Remamos juntos para fora, disse a ele que não tinha pegado nenhuma esquerda, e que as direitas estavam mais perfeitas. É impressionante o volume de água que a onda concentra ali. A cada onda que entrava era muita água em movimento. Quando chegamos lá fora, tentamos, mais uma vez, mantermo-nos no lugar certo. Acabei deixando a corrente me levar um pouco, ficando um pouco mais para fora. Vi que o Cau remou numa onda, mas não conseguiu entrar, então ficou embaixo do pico. Só que logo em seguida, entrou uma direita para Backdoor que parecia ser perfeita, só que a onda era um double-up, quando uma onda fica em cima da outra. Lá de onde eu estava, o vi remando e comecei a pensar comigo mesmo Não entra, não entra! Acontece que o Paulo Barcelos, bodyboarder casca-grossa, acostumado com a situação, estava perto dele e deu um incentivo:
- Vai lá, moleque! Vai lá!
Só fiquei olhando para ver no que ia dar. A onda dobrou por cima dele e não vi mais nada. Quando o avistei novamente ele puxava a cordinha, mas só veio metade da prancha. Fiquei aliviado porque nada tinha acontecido com ele, mas triste pela minha prancha, era a segunda vez que ela foi quebrada em menos de 20 dias.
Comentei com o Paulo que a prancha tinha quebrado na onda que ele gritou. Ele disse-me:
- Por isso que não gosto de ficar botando pilha pra neguinho ir nas ondas. Dias desses falei para um moleque remar numa onda, ele caiu e tomou sete pontos na testa. Depois veio tirar satisfação comigo. Pô, se o cara não tem habilidade a culpa não é minha, né!?
Não precisa me incentivar em nenhuma onda, viu? Pensei comigo mesmo. Continuei ali por mais algum tempo e consegui pegar uma esquerda, minha primeira onda em Pipe. Não era exatamente como eu tanto mentalizei em minha vida, mas essa ainda vai chegar. A onda fechou rápida, e nem coloquei no tubo, apenas passei por ela.
Percebi que o Cau estava na beira da praia passando frio, e ia sair da água para dar-lhe a chave do carro. De repente, vi que, ao seu lado, apareceu um alemãozinho com o cabelo raspado, e colocava o leash no pé e pareceu-me familiar. Quando ele corria para entrar no mar, tive certeza: era o Jamie O`Brien. O Cauê teria que passar um pouco mais de frio, porque não ia sair do mar. Ao menos não até ver alguma ondas surfadas por Jamie. A condição estava bem estranha, eu nem estava conseguindo pegar onda, havia muita corrente e estava difícil se manter no lugar certo. Depois de alguns minutos ao lado de Jamie é que vi que a coisa estava ruim mesmo, nem ele conseguiu pegar ondas boas, e acabou saindo do mar rapidamente.
Quando chegamos em casa, comecei a ter a sensação de que ia ficar gripado. Um moleza no corpo, aquela sensação de que você apanhou, ou fez muito exercício. A cabeça pesava, e passei a sentir o corpo quente. Tomei um banho e deitei para descansar. Suei muito, minhas pernas ferviam embaixo das cobertas, mas mesmo assim eu tinha frio.
Nem sei quanto tempo fiquei ali, mas quando o Cau veio me acordar, lhe disse que não iria sair. Ele insistiu, falando que era reveillon, que tínhamos que celebrar. Sai da cama sentindo-me melhor, botei uma roupa, e, com o corpo ainda quente, fomos para a casa do Bruno. Haviam alguns brasileiros lá, e todos iriam para praia antes da meia-noite.
Quando fomos para a praia, o céu estava lindo, milhares de estrelas cintilavam e o barulho do mar trazia aquela sensação de balanço que acompanha o caminho das orlas. Pensei que 2008 ia começar diferente, sem vento, sem chuvas e com boas ondas. Porém, um pouco antes do ano novo, choveu um pouco mais.
Foi o reveillon mais estranho que já passei, parecia que não era bem ano novo, eu senti falta de minha família, sempre passei estes momentos com eles, senti falta de uma cama para deitar-me logo em seguida, de dar abraços nos amigos. Os que estavam ali, com exceção do Cau e do Bruno, eram amigos novos, então o sentimento é diferente.
A meia-noite chegou com muitos brilhos e gritos. A primeira chuva do ano caiu logo depois, tirando-nos da praia. De lá fomos para uma festa, onde tinha muita gente bêbada. E quando cheguei em casa, deitei-me, sabendo que a gripe tinha mesmo me pegado, mas com aquela esperança de que tudo ia melhorar, afinal, it's a new year!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

30/12 - Perdidos em Oahu






O mar baixou bastante com relação ao dia anterior, mas mesmo assim, ainda havia boas ondas. É incrível como a onda de Rocky Point é constante, pode-se surfar todos os dias ali, com ondas bem melhores que o Brasil. Mais uma vez haviam fotógrafos na água e o Jadson estava voando muito, sempre completando seus aéreos. Eu continuava colocando dentro dos tubos em todas as ondas que pegava. Infelizmente, numa delas, a onda me virou, fazendo-me ficar de cabeça para baixo, a espuma fez uma pressão sob o fundo da prancha, trincando-a ao meio. Era a segunda prancha que eu quebrava em desde que cheguei aqui. Não foi tão grave quanto a primeira, por isso, continuei na água, queria pegar mais umas ondas pois não fazia muito tempo que tiha entrado no mar. Acabei saindo para preservar a prancha e fiquei na areia conversando com Paulo Barcelos, um bodyboarder que já foi campeão mundial, e surfa muito em Pipeline. Até ele se impressionava com as manobras do menino prodígio de nossa casa. Fazia um dia muito bonito, com pouco vento e um sol forte. Água do mar estava clara e foi o primeiro dia que curti a beira de praia. Acho que este hábito quem me ensinou foi a Naiana, antigamente, eu surfava e ia embora da praia. Aqui, não ficamos mais na praia porque tem chovido muito, e queremos aproveitar ao máximo quando as condições estão ideais.
Em casa demoramos para começar a preparar a comida, e acabamos comendo pouco, para termos condições de surfar à tarde. O Cau tinha que ir trabalhar, e resolveu dar uma descansada enquanto esperava pelo Bruno, que combinou com ele de passar ali para pegá-lo, já que trabalha em um outro restaurante, próximo ao do Cau.
Deixei minha prancha em casa, para secá-la e fui com minha 5’8”, que ia usar só no Brasil, mas a condição me obrigou a estréia-la em águas havaianas. Mostrei para o Júlio a prancha quebrada e ele disse que não seria muito difícil de consertá-la .
O mar havia baixado um pouco mais, e chegamos um pouco tarde na praia. O surf com a prancha nova é bem diferente das outras que usei aqui. Ela é mais maleável e solta, por isso, é preciso fazer as curvas com mais cuidado e menos pressão. Foi um surf legal, mas não peguei muita onda, estava tomando cuidado com a minha aquisição. Mesmo assim, deu para notar que ela anda muito bem, e as manobras saem de uma maneira mais redonda, com grande arcos.
Ainda dentro da água vi que o Jadson tinha saído, sinalizei com os braços pois queria saber se havia acontecido alguma coisa, mas ele não me vi. Peguei mais umas ondas e fui para a beira, quase com o final da tarde. Ele me disse que tinha caído sua quilha, depois que ela bateu na sua cabeça. Ele já havia perdido um quilha de manhã, quando a prancha acertou suas costas, o menino é super radical.
No caminho para casa, prometi a ele que iríamos nos arrumar bem rápido e ir para a town, comprar seu ipod e a máquina digital. Na volta, pensamos em passar em Haleiwa e buscarmos o pimpolho. Chegamos em casa e nos arrumamos o mais rápido possível, mas quando o Jadson saiu do banho, apareceu o Cauê em casa:
- Cara, me atrasei para sair de casa, cheguei lá depois das 17:30h e eles colocaram alguém no meu lugar. Pô, mas o Bruno nem passou aqui para me pegar.
Depois o Júlio me disse que ele havia dormido demais, e acordou depois das 17h. Eu fiquei chateado por ele, porque o dono do restaurante tinha gostado bastante do Cau em seu primeiro dia de trabalho.
Ele disse que queria ir conosco para o centro, só que demorou um tempão para se arrumar, fez a barba, escovou os dentes, deixando eu e o Jadson loucos, enquanto esperávamos.
Tínhamos pensando em comer uma pizza em Haleiwa antes de irmos para Waikiki, onde tem a loja da Apple. Porém, o Jadson estava tão ansioso por chegar logo, que resolvemos ir direto. Ele chegou a sonhar que voltava para o Brasil sem os seus eletrônicos, e todas hora dizia:
- Moleque, sonhei que entrava no avião e não tinha comprado meu ipod. Aquilo me deixou muito preocupado. Será que a loja vai estar aberta? Até que horas fica aberta?
- Cara, o Júlião me disse que era até às 21h. - Já eram quase 20h quando saímos de casa.
Chegamos lá quando faltavam trinta minutos para as lojas fecharem, segundo as informações que tínhamos. Só que quando entramos no shopping, tudo estava vazio, havia somente algumas pessoas perambulando pelos corredores, olhando vitrines fechadas. Corremos até a loja da Apple, lá estavam dois funcionários, mas a loja já estava fechada, e, ao que parecia, há poucos minutos. Ficamos sem saber se o shopping tinha funcinado naquele dia ou não. O Jadson ficou um pouco chateado:
- Ah, não tem problema, foi bom o passeio até aqui. Mas a culpa foi de Cauê, que ficou duas horas no banheiro.
Estávamos famintos, e desde que cheguei aqui, quero comer na Pizza Hut. Então, começou a aventura para achar uma loja aberta. Sai dirigindo, meio sem rumo, guiado pela intuição, pela cidade. Passei por um centro comercial, com várias lojas de restaurantes e fas-foods, mas nenhuma Pizza Hut. Quando estava estacionando o carro, já conformado de que no ia comer o tal da pizza, olhei para o lado e vi um restaurante de mexicano de tacos, mas junto deste logo, estava o que procurávamos. Todo mundo começou a gritar de alegria dentro do carro e saímos correndo em direção à loja. Chegando lá ficamos sabendo que eles só tinham uma pizza individual, minúscula. Pedimos informações para o atendente, mas o cara estava muito mau-humorado. Dizia o nome da rua onde tinha uma loja só da Pizza Hut, mas não conseguíamos entender o nome da rua porque o inglês dele era pior que o nosso. Então ele disse:
- If you dont` understand english, I cant` help you.
Então uma outra atendente disse-nos:
- Britania street.

Saímos em busca da tal Britania street, que, segundo ele, era umas 3 quadras adiante. Obviamente, não achamos a rua, paramos num posto de gasolina, pedimos informação, sem muito sucesso. Pelo que nos disseram tínhamos que voltar por onde viemos, e entrar numa das ruas, não sabíamos bem qual delas. Então, enquanto dirigia, falei para o guris:
- Ah, meu, vou entrar nesta aqui mesmo.
Quando olhamos para a placa com o nome da rua, estava lá: Beretania Street.
Que Britania, que nada, o nome era Beretania, e mesmo com a má vontade e péssima pronúncia dos nossos amigos, tínhamos encontrado a tal da rua. E lá comemos, tranqüilos e famintos, nossa pizza ultra-gigante.
Na volta para casa, o menino Jadson começou a contar as histórias dos campeonatos que participou. Falava sobre as ondas que surfou, as manobras que fez, as notas, os adversários, os amigos. Contou-nos que quase apanhou em um campeonato na Califórnia, só porque estava ganhando de todo mundo, mas ficou em segundo lugar, roubado, segundo ele.
Acontece que ele se empolgava muito contando as história, colocando muita realidade em tudo que contava-nos. Eu e o Cau ficamos quietos ouvindo tudo com muita atenção. Até que num determinado momento, disse para eles:
- Cara, não sei muito bem onde eu estou. Não lembro deste caminho aqui.
Instantaneamente meu co-piloto pegou o mapa que compramos e descobriu que ao invés de irmos para o North Shore, estávamos indo em direção ao West Shore. Isso porque eu tinha esquecido de pegar uma rodovia que ia para o lado norte.
Como estávamos quase no extremo oeste da ilha, imaginei que a estrada, depois de passar pelo oeste, nos levaria para o norte. Resolvi continuar pela mesma estrada, só que num determinado ponto, acabaram as casas, não se via mais luz nenhuma, senão a do carro. Em seguida, apareceram placas com os dizeres “Falling Rocks” e, consequentemente, algumas pedras surgiram na estrada, solicitando meus reflexos para não estourar o pneu do carro. O Jadson ficou bem preocupado, chovia muito nesta hora, e parecia coisa de filme de terror, porque logo depois acabou a estrada também. Um pouco antes o Cau tinha dito:
- Eu estou olhando bem este mapa, e acho que a estrada não continua até o norte, não. Acho que ela acaba.
E realmente acabou. Sorte que um pouco antes de acabar, tinha uma base do exército americano, fomos até lá pedir informações. Só que o militar que falou conosco, sabia menos do que nós, ele não sabia nem da existência de Haleiwa. E ninguém em sua base sabia nos dizer como chegar lá.
Resumindo, tivemos que voltar quase todo o caminho, guiados pelo nosso mapa, e o caminho que geralmente leva uns 40 minutos, durou 2 horas. O Jadson dormiu no caminho e fomos conversando para vencer o sono.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

29/12 - O surf para o qual viemos

Acordamos sem muita pressa, ninguém na casa conseguiu acordar cedo devido ao cansaço do dia anterior. Jadson e Júlio foram conferir o mar, e demoraram para voltar, até pensamos que não tinha onda. Quando voltaram, disseram que estava bom, mas o Jadson iria surfar mais tarde, com um amigo, e o Júlio iria trabalhar. Saímos de casa um pouco depois e chegamos na praia antes das 11h, as ondas pareciam boas e perfeitas, muitos surfistas no mar e um vento moderado. O que notava-se era que havia muitos tubos e a formação estava perfeita. Entramos no mar e a cada minuto o mar melhorava, apesar disso, o crowd foi saindo aos poucos. Eu e a Cau nos olhávamos não estávamos acreditando naquilo. De repente, abriu um baita sol, o vento ficou terral, e as ondas mais perfeitas que já vimos por aqui. Simplesmente, todas as pessoas que pegavam uma onda, pegavam também um tubo. Eu só dava risada, remando para todos os lados, dropando para esquerda e direita, sempre para dentro dos barrels. Saí de muitos deles, fiquei dentro de outros, vi cenas ao vivo que só tinha visto em filmes de surf. Toda vez que nos encontrávamos remando, riamos e celebrávamos o que estávamos vivendo.
- Cau, foi para surfar este tipo de onda que eu vim para o Hawaii. Não quero mais nada além de entubar.
Ele estava estreando a prancha que acabou comprando, e isto somando às condições incríveis, fizeram que seu surf foi o melhor que já vi fazer. Toda hora ele voltava me dizendo que a prancha era mágica e que havia feito um boa manobra ou pegado um tubo. Eu só pensava em passar por dentro daqueles cilindros azuis que não paravam de quebrar sobre a bancada de Rocky Point, as manobras eu só fazia depois disso.
Depois de 4 horas dentro da água, eu resolvi sair, os braços já não tinham forças para me levar ao fundo. Da areia, era lindo ver aquelas ondas e o que os surfistas faziam nelas. Era um verdadeiro espetáculo!
O Cau demorou um pouco mais para sair, e dali fomos para o supermercado, alimentar nossos corpos cansados, mas cheios de vontade de surfar mais. Comemos banana, castanha e uns croissants que compramos. Depois de uma hora e meia, voltamos para dentro do mar. Nesta segunda queda, havia muita gente na água, foi quando senti o que é a crowd aqui no hawaii. Estava muito difícil de pegar um onda, a disputa era intensa, haviam locais e muitos profissionais. Aqui ninguém surfa mal, e isso dificulta bastante. Mesmo assim, deu para surfar algumas ondas, andei fundo dentro de um tubo, talvez o mais fundo que andei até agora aqui. Saímos do mar quando a noite já caia, manchando o céu de um azul escuro.
Já no carro, o Cauê comentou:
- Cara, que dia de surf. Peguei o melhor tudo da minha vida e nunca tinha surfado ondas tão clássicas. Foram 6 horas do melhor surf que já fiz.
No caminho para casa lembramos que o Jadson queria ir numa loja de eletrônicos para comprar um Play Station e um I-pod, e tinhamos combinado de fazer isso nesta noite:
- Bah, eu vou dizer para o guri que não vai dar par ser hoje.
Apesar de todo esforço e cansaço para surfar por todo aquele tempo, meu corpo não parecia exausto naquela hora, mas eu sabia que quando comesse e deitasse, seria difícil levantar.
Chegamos em casa, depois do banho o Jadson e o Júlio nos chamaram para irmos ao Wallmart. O Júlio tinha que comprar coisas para a casa e o Jadson ia aproveitar a viagem. Levantei-me logo e disse que tínhamos que sair logo, senão eu não ia conseguir sair depois.
Lá naquela megaloja o Jadson pegou o Cauê para ajudá-lo com o viadeogame. Depois o Cau me contou que a criança não parava quieto, fazia mil perguntas e andava de um lado para outro incesamentemente:
- Cadê o Playstation 2? Cara, mas será que tem memory stick? E o ipod, compro o de 80gb ou 160gb? Mas quanto é o Playstation? E a máquina digital, tem aqui?
Depois que acabamos as compras, ajudamos ele com seu vídeo-game. A compra do ipod ficou para outra hora, pois lá estava em falta o com maior capacidade, ele estava indeciso sobre qual comprar. Saiu da loja pulando de felicidade:
- Cara, agora ninguém me segura!
Na volta para casa, e depois dentro do quarto, eu e o Cau não parávamos de lembrar aquele surf que tínhamos testemunhados. Um olhava para o outro, mesmo sem dizer nada, e ríamos, pois era pra isso que viemos até aqui. Para nos sentirmos tão felizes como Jadson e seu Playstation, mas nossa felicidade, bem como grande parte da dele, vinha daquelas ondas, que chegam até nós gratuitamente, e ninguém as impede de quebrar.

28/12 - Nova paixão

A cada dia que passa me apaixono por uma onda diferente aqui no Hawaii, e neste dia, descobri mais uma. Portanto, mais uma paixão. Acordei com o Julião batendo na nossa porta para acordarmos para a prática de SwáSthya, fechei os olhos para dar aquela última soneca, o que durou uns 30 minutos. Ao levantar fui na sala, e ele estava sentado no sofá:
- Vamos para a aula, Julião?
Ele deu um pulo e logo ficou de pé:
- Vamos lá. Já demorou para começar.
O Jadson também já estava de pé e apareceu com o um pão na boca e um copo de leite na mão:
- Moleque, não pode comer antes de praticar.
- Cara, mas eu preciso engolir alguma coisa, senão não paro em pé.
Chamei o Cauê, todos foram para a sala e nos ajeitamos para que os três pudessem praticar comodamente. Comecei a prática com técnicas de reeducação respiratória, o que é bem útil para todos, freesurfers e competidores. Foi muito gratificante dar a aula porque matei as saudades de meu ofício, além disso a concentração dos três foi impressionante, desde o início até o final da classe. Quando acabou, todos estavam com enormes sorrisos no rosto, o Júlio veio apertar minha mão para agradecer, e o demais o acompanharam.
Logo em seguida, eu e o Cau saímos para o patrol pelas praias. Pegamos o Bruno na casa dele, mas não achamos nada muito bom para se surfar. Lá na praia, um cara me falou que as bóias em Waimea já estavam sinalizando 8 pés de ondas, mas não levei muito à sério porque não estava com jeito de que ia melhorar. As ondas pareciam fracas e mexidas, além disso, o vento estava bagunçando tudo.Tínhamos combinado de ir conhecer a fabrica de pranchas onde o Júlio trabalha, e, em seguida, fazer compras num supermercado que fica um pouco longe daqui, mas com preços bem mais baixos. Voltamos para casa, e demoramos um duas horas para sairmos novamente. Fomos todos no meu carro, indo em direção à Haleiwa.
Aqui onde estamos localizados funciona assim, se sairmos de casa e formos para a direita, em direção ao leste, encontramos as ondas de Rockypiles,Log Cabins, Off the Wall, Backdoor, Pipeline Pupukea, Gas Chambers, Rocky Point, Kammieland, Sunset e Velzyland. Porém, indo para o lado esquerdo, em direção ao oeste, existem as ondas de Waimea Bay, Alligators, Marijuana, Leftover, Chun’s Reef, Jockos, Laniakea, Haleiwa e outras que não conheço.
Enquanto dirigíamos, logo na baia de Waimea, notamos que o swell tinha melhorado. Logo que avistamos os outros reefs, o Júlião, com sua serenidade, dizia-nos:
- Cara, tem altas ondas! Como vocês disseram que não tinha nada? Pô, vocês não podem fazer o patrol.
A cada onda que passávamos o cenário melhorava, uma onda melhor que a outra, mais perfeita, maior. Começamos a pular dentro do carro.
- Pára, pára, pára. Vamos voltar, meu irmão. – Dizia o Jadson.
O Júlio não deixava, pois precisava ir finalizar uma prancha, ele é quem lixa a prancha antes de ela ser entregue ao consumidor. Quando paramos na frente de uma onda que ainda não havia visto quebrar, ele falou:
- Aqui é Jockos. Esta onda é animal.
A visão era linda, uma esquerda volumosa, quebrava com velocidade e um bom tamanho, ao lado de um canal gigante. Pudemos ver um tubo quebrando sozinho mais para o inside. Mesmo assim, tivemos que continuar nosso caminho, ao invés de voltar e pegar nossas pranchas. Realmente, onda boa tira qualquer um do sério. Só falávamos naquelas ondas e no quanto queríamos surfá-las imediamente.
Chegamos na fábrica, perto de onde localizam-se praticamente todas as outras fábricas de pranchas do Hawaii. Em minha cabeça, eu sempre imaginava lugares grande, cheios de infra-estrutura, mas não é nada disso, são super simples, pequenos, e com poucos empregados. Lá onde o Júlio trabalha, é onde eles também fabricam um novo tipo de bloco, que substitui o poliuretano, usado em 90% das pranchas. A nova tecnologia chamasse IPS, e é absurdamente mais leve e resistente. Enquanto esperávamos por ele, fomos conhecer a fábrica do Eric Arakawa, um dos melhores do mundo. Nestes lugares, não são muitas pessoas que visitam, então ficamos com um pouco de vergonha de entrar. Então apareceu um sujeito pequeno, levemente japonês perguntando o que queríamos. Dissemos que queríamos conhecer a fabrica, ele então apresentou-se:
- Hi, I am Eric.
Foi legal chegar, e conhecê-lo assim, no susto. Um funcionário português apresentou-nos tudo. A quantidade de pranchas que tinha lá dentro me deixou louco. Eu e o Cau ficávamos feito crianças lá dentro, querendo saber de tudo. Perguntamos sobre os valores, e se tinha pranchas pequenas para a venda. Ele trouxe-nos um 6’0”, que peguei na mão e queria comprar, mas nem tinha aquela grana. Não parava de olhá-la, mas o Jadson falou:
- Cara, eu nunca vi um cara tão alucinado por prancha como você. Tem que tirar a prancha da mão dele, senão a gente não sai daqui.
Eu dava risada, mas tive que deixá-la lá porque já estava na hora de voltar. Ainda voltamos à temo de ver o Júlio finalizando o longboard que estava lixando, e fomos embora logo em seguida.
No caminho, enlouquecemos de novo vendo as ondas, todo mundo querendo chegar logo em casa. Depois de arrumarmos tudo ficamos indecisos com relação ao local onde surfar. Eu ficava falando para voltarmos para Jockos, mas o Julião dizia:
- Será? Jockos?
- Mas porque, Julião? Você não gosta daquela onda?
- Cara, eu amo aquela onda. Aquela onda é demais, mas pode ser que tenham outros picos quebrando.
Acabamos indo para Rocky Point, o Júlio foi no carro dele. Tinha altas ondas e pouca gente na água. Nem esperamos muito para ver as séries, voltamos para o carro e começamos a nos arrumar. Quando estávamos prontos para ir para a água, estaciona o carro do Júlio e ele diz:
- Pô, galera, tem altas ondas, mas acho que Jockos vai estar melhor. Eu vou passar em casa e pegar minha prancha maior, porque lá precisa de prancha com remada, a onda é volumosa.
Olhamos um para a cara do outro e decidimos segui-lo. O Jadson entrou no carro do Júlio, e o Cau colocou a prancha dele também lá dentro, para não precisarmos coloca-las em cima do carro de novo. Na volta, paramos para olhar Pipeline, que estava quebrando da forma mais perfeita desde que cheguei aqui. Mesmo assim, não estava muito perfeito, e tinha bastante gente dentro da água. Ainda passamos na casa do Bruno para buscá-lo, insistimos para que ele pegasse uma prancha maior, mas ele duvidou que o mar estivesse crescido tanto.
Ao invés de passarmos em casa para pegar as pranchas grandes, fomos direto para Jockos. Ao passarmos na frente de casa, vimos que ele já tinham ido também. Estacionamos do lado deles, e já fomos colocando os calções de surf e tirando as pranchas da capa. O Júlio estava com uma prancha 7’4”, que já é uma prancha grande. O Jadson tinha pegado sua 6’5”, mas quando o Cau foi pegar a sua, não a encontrou:
- Vocês deixaram minha prancha em casa?
- Achamos que vocês iam passar lá para buscar as pranchas maiores, e deixamos lá.
Neste hora eu já estava vestido, joguei a chave do carro para o Cau para que ele fosse para casa buscar sua prancha, e saí, com o Jadson e o Júlio, em direção à praia.
Enquanto estávamos alongando um pouco e olhando as séries, apareceu um brasileiro com uma prancha quebrada ao meio:
- Esta onda adora quebrar um prancha. – Disse-nos ele.
Notei que seria bom uma prancha menor, voltei até onde estava o Cau e disse-lhe que ele poderia trazer uma prancha minha, que revezaríamos dentro da água.
Eu estava muito feliz por aquelas ondas, que pareciam ter de 4 a 6 pés, com bastante água em movimento e muito perfeitas. Enquanto remávamos, o Júlio me dizia:
- Vai com calma, Lucas. Esta onda é bem forte.
Não conseguia esperá-lo, acabei remando na frente e cheguei lá no line up rapidamente, o Jadson estava atrás de mim. Logo que cheguei, entrou uma série e remei na segunda onda. Dei um drop bem vertical, fiz a cavada lá embaixo, e uma sessão da onda quebrou na minha frente. Assim que passei por ela, vi o Júlio descendo a onda, mantive uma distância dele, enquanto sentia a velocidade da onda, e via o coral sob o qual eu passava por cima. Ele fez algumas manobras e botou dentro de um pequeno tubo.
Quando a onda acabou, ele me viu e espantou-se que ainda estivesse atrás dele o tempo todo, achava que eu tinha caído lá no inicio. Desculpou-se comigo, mas não foi problema algum. Claro que eu teria curtido mais a onda sozinho, mas estava contente com o power e o tamanho daquela onda. Senti que seria melhor mesmo ter uma pranhca menor, mas teria que dar uma jeito com minha 6’3” mesmo.
Fui pegando o jeito da onda, é impressionante porque aqui no Hawaii, nenhuma onda é parecida com a outra. Todas elas tem um jeito diferente de serem surfadas, tem uma força diferente, quebram de uma maneira distinta, tem um macete especifico. E a onda de Jockos é bem forte, mas é preciso manter-se bem próximo da espuma, pois a parede fica gorda ao afastar-se dela. Por isso, a manobra acontece sempre para dentro, voltando contra a onda, o que às vezes é difícil, pois se a espume lhe acerta, é complicado de ficar em pé.
Vi umas ondas incríveis do Jadson, nem parecia que ele estava com uma prancha daquele tamanho, e nem surfando uma onda tão power. O moleque cavava e dava manobras na parte mais critica, com muita forca e sem perder o controle da prancha.

Num determinado momento, estava remando para fora e entrou uma série, eu estava olhando-a entrar, e logo na primeira onda ninguém conseguiu entrar. Um surfista remou, mas foi ficando para trás, e gritou:
- Vai, Julião!
O Júlio estava posicionado no pico, mas não havia remado para não atrapalhá-lo, porém neste momento, ele já estava bem atrasado. Nos milésimos de segundos entre o grito do cara, e a remada do Júlio, ainda pensei: Impossível, não tem como ele ir!
Porém, ele virou o bico da prancha para a areia, deus umas duas ou três braçadas e ficou em pé na parte mais critica da onda, o lip quebrava e o Júlio estava junto dele, fazendo um drop no ar, numa onda que tinha, no mínimo, uns 5 pés havaianos, quase 8 pés brasileiros. Fiquei chocado com aquilo, me dá uma alegria muito grande testemunhar estas coisas incríveis que acontecem no surf, e quase fui sugado pela onda. Esta minha mania de ficar vendo as ondas de todo mundo, às vezes me coloca numa fria. Não sabia se ele tinha completado aquele drop, o que era muito difícil. Assim que a onda passou, olhei para trás, e deu tempo de ver a metade da prancha do Júlio submergindo, logo veio outra onda e eu tive que passar por ela, mas sabia que ele havia caído, e, o que era pior, havia quebrado sua prancha. No entanto, foi admirável a atitude dele, foi um momento marcante da trip, que não me sai da cabeça.
Depois de um bom tempo dentro da água, quando já achava que o Cau tinha ido para outro lugar, ele apareceu remando lá fora, com minha prancha maior 7’6”. Fiquei feliz aon vê-lo, naquela hora o mar já não estava tão constante, a maré havia enchido, entrou bastante gente na água, e eu já não estava pegando tanta onda. Ele avisou-me que tinha trazido minha 7’2”, mas já estava adaptado com a prancha menor mesmo.
O final da tarde foi chegando, e com isso os braços foram ficando cansados, o corpo já não respondia com tanta velocidade ao comandos do cérebro. Tínhamos entrado no mar um pouco depois das 14h e já eram tinha passado das 17h. Avisei o Cau e o Jadson que sairia em seguida, e peguei uma saideira boa, com muitas manobras.
Depois que chegamos em casa e tomamos banho, eu e o Cau desmaiamos com computadores ligados, luz acesa e som alto. Acordei quando já eram 21h. Comentei com o Júlio sobre sua onda e ficamos conversando sobre aquelas ondas incríveis que havíamos surfado naquele dia. O dia seguinte tinha uma previsão de baixa no swell, fomos dormir a sensação de que o surf, a partir de agora, seria realmente havaiano. As ondas tinha crescido absurdamente para um período de duas horas, e aquilo era um ótimo sinal